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DEMANDA X PRODUTIVIDADE Acervo da segunda instância do TRT-2 cresceu 27% em 2022
x*Reportagem publicada no Anuário da Justiça São Paulo 2024, lançado nesta segunda-feira (18/3). A versão digital é gratuita, acesse pelo site do Anuário da Justiça (clique aqui para ler). A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui).
Anuário da Justiça São Paulo foi lançado na semana passada
Mudanças nas políticas econômicas estão entre os elementos que fazem aumentar ou diminuir o número de reclamações trabalhistas, como afirma a atual presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Beatriz de Lima Pereira. A turbulência política e a crise econômica vividas pelo país em ano de eleições presidenciais e no rescaldo da crise sanitária decorrente da epidemia de covid-19 podem explicar o aumento de 25% nas novas ações propostas em segunda instância em 2022 quando comparadas com o ano anterior. A produtividade dos desembargadores também aumentou, em 15%, o que não foi suficiente para fazer frente à demanda. Dados do Relatório Geral da Justiça do Trabalho, produzido pelo TST, mostram que o acervo ao final de 2022 era 27% maior do que em 2021.
O relatório do TST mostra, também, o grau de resolutividade dos juízes de primeiro grau da 2ª Região. De 354 mil casos solucionados em 2022, 150 mil (42%) foram resolvidos pela via da conciliação. Foram julgados no mérito 156 mil processos, dos quais 113 mil (72%) foram declarados procedentes no todo (10%) ou em parte (62%). O número de casos considerados improcedentes, ou seja, em que os trabalhadores perderam a causa, foi de tão somente 43 mil (28%).
Com o objetivo de acelerar o ritmo dos julgamentos a direção da corte reivindica a contratação de mais servidores e juízes – o que esbarra no limite de gastos do orçamento. “A meta é a manutenção de dois juízes nas varas com movimento processual com mais de 1.500 novos processos por ano”, avalia a presidente. Enquanto não contam com a quantidade de servidores almejada, as varas dispõem do programa “Mentoria de Vara do Trabalho”, acompanhado pela Corregedoria, que pretende melhorar o desempenho com a capacitação dos servidores e o compartilhamento de boas práticas. Em 2022, a equipe da Corregedoria fez 31 correições ordiná-rias e 200 autoinspeções nos 231 órgãos de 1º grau.
O uso da tecnologia também está nos planos da direção da corte. “É imprescindível que rotinas repetitivas sejam automatizadas, visando a otimização do tempo de trabalho dos servidores e magistrados em tarefas que agreguem valor à satisfação processual, tais como na elaboração de decisões, sentenças e acórdãos. Se até há pouco tempo não dispúnhamos dessa tecnologia, hoje ela existe e deve se tornar mais acessível”, afirma a presidente.
Apesar do esforço para fortalecer os Cejusc’s (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania), a quantidade de acordos se manteve estável de 2021 para 2022. Mas houve aumento de 13% no total de valores envolvidos. Os mais de dez mil acordos de 2021 movimentaram R$ 371 milhões, enquanto os 9.543 acordos assinados em 2022 geraram um fluxo de R$ 421 milhões.
Já na etapa final dos processos, iniciativas como o “Execução em Ação” se unem a programas acompanhados pela Corregedoria, como o “SOS Execução” — programa que visa a cooperação entre as varas do Trabalho para reunir execuções contra um mesmo devedor, o que facilita a pesquisa de bens e acelera o processo de pagamento da dívida. Ao todo, em 2022, foram movimentados R$ 910 milhões decorrentes de execução.
Algumas somas são creditadas diretamente ao SOS, como a liberação de R$ 6,5 milhões a credores do grupo econômico da empresa Matriz e Estamparia Morillo Ltda. Em uma tacada só, foram contempladas 55 execuções após a venda de um imóvel em leilão. Em março, o programa liberou outros R$ 1,9 milhão a credores do Grupo Sato. As duas empresas decretaram falência.
O valor total pago por decisões do TRT-2 aos autores das reclamações trabalhistas em 2002 passou dos R$ 5 bilhões: R$ 3,7 bilhões decorrentes de acordo, R$ 524 milhões pagos espontaneamente, além dos R$ 910 milhões executados.
O valor arrecadado pela 2ª Região foi de R$ 386 milhões, queda de R$ 78 milhões em relação a 2021. Essa soma contempla custas processuais, contribuição previdenciária e impostos de renda.
Entre as atividades econômicas mais demandadas nas ações propostas em 2022, estão o setor de serviços (17%), indústria (11%) e comércio (9%). Na primeira categoria mais demandada chamam atenção as ações que envolvem empresas de aplicativos, com serviços de transportes e entregas. Criar uma regulamentação específica para esses novos estilos de trabalho está na mira do governo federal, que já criou um grupo de estudos sobre o assunto. Enquanto o tema não sai dos debates, a Justiça trabalha para criar uma jurisprudência.
Novas práticas de mercado foram surgindo, como a adoção dos OLs (operadores logísticos), como fez o iFood para administrar grupos de entregadores disponíveis em dias e horários pre-estabelecidos. Nesses conflitos, há decisões das varas da 2ª Região em diferentes sentidos: para reconhecer o vínculo do entregador apenas com o iFood; apenas com o OL; e, ainda, para dizer que não há vínculo entre as partes.
Os assuntos mais discutidos nas reclamações levadas à 2ª Região foram o pagamento da multa de 40% do FGTS, do adicional de insalubridade e de horas extras.
A terceirização de contratos e o uso de redes sociais também são temas destacados pelo tribunal. Um dos casos envolveu a demissão por justa causa de trabalhadora que publicou em rede social vídeo em que dançava com o uniforme da empresa. Sem regras definidas sobre esse tema, a companhia foi obrigada a retirar a punição e pagar todos os direitos de dispensa da funcionária.
No tema da terceirização, a 2ª Turma do TRT reconheceu o vínculo entre profissional de beleza com um salão, mesmo com contrato feito em pessoa jurídica. Obedecer a prazos, horários, usar material de trabalho fornecido pelo salão e não ter acesso à sua própria agenda de atendimentos justificou a decisão, segundo os autos do processo.
Condenação por dano existencial se sobressaiu entre as notícias do tribunal. Uma organização não-governamental foi condenada, em primeira instância, a pagar um funcionário que trabalhava 13 horas diárias. Na sentença, a juíza explicou que o dano existencial compromete o aproveitamento de atividades incorporadas ao modo de viver, “afetando as aspirações relacionadas ao projeto de vida da pessoa”.
Entre as 198 mil decisões de mérito em segunda instância, de acordo com dados de 2022 do TRT-2, 78 mil mantiveram o entendimento de primeira instância, encaixam-se na classe das não-providas. Na sequência, vêm as providas (27.681) ou providas em parte (50.551). Poucas foram concedidas, 418, ou concedidas em parte, 52. Há um número um pouco maior de ações denegadas, 1.136, ou consideradas improcedentes, 738.
Dados da Vice-presidência do TRT-SP, que analisa os recursos enviados aos tribunais superiores, mostram que a taxa de admissibilidade dos recursos de revista é de 13,9%. Ao todo, 55.429 agravos de instrumento em recurso de revista foram remetidos ao TST no ano de 2022.
Enquanto lida com esses desafios orçamentários, a atual gestão enxerga uma esperança na aprovação do novo arcabouço fiscal. Sob o Projeto de Lei 93/2023, ele pode flexibilizar o teto de gastos e abrir mais possibilidades de investimento em todas essas áreas. “Esse PL cria um regramento diferente, uma espécie de balanceamento, a depender do aumento ou diminuição das receitas, estipulando piso e teto para maior controle e flexibilidade com as contas públicas. Isso permite uma melhor gestão do ponto de vista de investimentos”, avalia a presidente do TRT-2, Beatriz de Lima Pereira.
Mesmo em tom otimista, a presidente aguarda o desenrolar dessa matéria com o cuidado de que é preciso muito mais do que a aprovação deste PL para sentir seus reflexos no orçamento do tribunal. É necessária uma análise mais precisa das projeções das receitas do TRT, das metas de resultado primário e da aprovação de medidas que podem ampliar o aumento das receitas. “Contudo, a perspectiva é boa, notadamente pelo crescimento fiscal e estabilidade econômica que se espera”, define a presidente.
ANUÁRIO DA JUSTIÇA SÃO PAULO 2023 | 2024
13ª Edição
ISSN: 2179244-5
Número de páginas: 332
Versão impressa: R$ 50, pré-venda na Livraria ConJur
Versão digital: disponível gratuitamente, a partir de 18 de março de 2024, no app “Anuário da Justiça” ou pelo site anuario.conjur.com.br
Anunciaram nesta edição:
Abreu Sampaio Advocacia
Adilson Macabu e Nelson Pinto Advocacia
Advocacia Rubens Ferreira e Vladimir Oliveira da Silveira
Antonio de Pádua Soubhie Nogueira Advocacia
Apamagis – Associação Paulista de Magistrados
Areosa, Martins, Tavares Advogados
Arruma Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia
Basilio Advogados
Bialski Advogados Associados
Bottini & Tamasauskas Advogados
Caselli Guimarães Advogados
Cesa – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados
D’Urso & Borges Advogados Associados
Décio Freire Advogados
Dias de Souza Advogados
Fernando José da Costa Advogados
Fidalgo Advogados
Fontes Tarso Ribeiro Advogados Associados
Fux Advogados
Guimarães Bastos Advogados
Heleno Torres Advogados
Hesketh Advogados
JBS S.A.
Laspro Consultores
Leite, Tosto e Barros Advogados
Lemos Jorge Advogados Associados
Lollato, Lopes Rangel, Ribeiro Advogados
Machado Meyer Advogados
Marsaioli & Marsaioli Advogados Associados
Martins, Franco e Teixeira Sociedade de Advogados
Mesquita Ribeiro Advogados
Milaré Advogados
Moraes Pitombo Advogados
Multiplan
Oliveira Alves Advogados
Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados
PX Ativos Judiciais
Pardo Advogados & Associados
PMA – Penna Marinho Advogados
Regis de Oliveira, Corigliano e Beneti Advogados Associados
Stock options: como o Carf pode colaborar com o Legislativo e o Judiciário?
O segundo semestre do ano passado trouxe uma série de motivos para que os já pulsantes debates acerca da tributação dos planos de stock options (planos de opção de compra de ações) ganhassem novos contornos e ainda mais os holofotes.
Os fatos que merecem destaque ocorreram…
… no Poder Legislativo
Em agosto, aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal o Projeto de Lei nº 2.724/2022, que dispõe sobre o regime dos planos de outorga de opção de compra de participação societária – Marco Legal do Stock Options. Para justificar a proposta, afirma que sua importância
“surge em razão da falta de norma regulamentar dispondo a respeito do tema, o que, por si só, dificulta uma melhor atuação do Judiciário, como também da jurisprudência administrativa não havendo uma linha homogênea de raciocínio, gerando grande insegurança jurídica por parte dos beneficiários e das sociedades e desestimulando o ambiente dos negócios” [1].
Embora dito inexistir “uma linha homogênea de raciocínio”, no parágrafo imediatamente subsequente, afirma o autor da proposta, de modo contraditório, que
“o Tribunal Superior do Trabalho já rechaçou a ideia de que os valores recebidos com base em Opção de Compra de Participação Societária têm caráter remuneratório, tendo em vista que se trata de uma forma interessante de estimular oportunidades, atraindo profissionais com o objetivo de desenvolverem inovações e poderem participar de resultados” [2].
E, em arremate, a despeito de pacificação, conforme evidenciado pelo texto da própria propositura, “conclui[u]- se que a Opção de Compra de Participação Societária tem natureza mercantil” [3]. Calha a transcrição, no que importa, do disposto no PL nº 2.724/2022:
“Art. 2º São elementos intrínsecos aos instrumentos do Planos de Opções:
I – a outorga de direitos (Outorga) ou concessão de opções de compra
(Concessão);
II – o cumprimento de condições mínimas necessárias para o exercício do direito outorgado ou recebimento das opções (Vesting), com período de pelo menos 12 (doze) meses; e
III – o valor a ser pago pelo Beneficiário à Sociedade Emissora para o exercício de opção de compra de ações (Preço de Exercício).
Parágrafo único. A Opção de Compra de Participação Societária outorgada nos termos previstos nesta Lei possui natureza exclusivamente mercantil, conforme previsão contida artigo 168, §3º da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e não se incorpora ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista, previdenciário ou tributo.”
… no Poder Judiciário
Nos últimos dias de expediente forense de 2023, o Superior Tribunal de Justiça decidiu afetar os REsps 2.069.644/SP e 2.074.564/SP para, sob a sistemática dos recursos repetitivos, “definir a natureza jurídica dos planos de opção de compra de ações de companhias por executivos (stock option plan), se atrelada ao contrato de trabalho (remuneração) ou se estritamente comercial, para determinar a alíquota aplicável do imposto de renda, bem assim o momento de incidência do tributo” [4] (Tema de nº 1.226).
Spacca
Houve a determinação de sobrestamento da tramitação de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, versando sobre a temática em trâmite na segunda instância, comprovando a premência de determinação do cariz da verba, ante a ausência de pacificação nesse sentido.
… no Poder Executivo
O Carf, órgão colegiado, paritário, integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, vem sofrendo substanciais modificações em sua composição, desde o ano passado, seja pelo vencimento do mandato de experientes conselheiras e conselheiros que integravam o órgão desde 2015, seja pela redistribuição dos assentos junto às turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, seja pelo incremento de vagas, com expectativa de ingresso de novos julgadores nos próximos meses.
O órgão vinculado ao Poder Executivo, em exercício atípico de atividade judicante, tem por finalidade julgar recursos de ofício e voluntário contra decisão de 1ª instância, bem como os recursos de natureza especial, versando sobre a aplicação da legislação referente a tributos administrados pela Receita Federal.
A importância da atuação do Carf veio a ser destacada pelo Tribunal Superior do Trabalho, ressaltando o ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, que o
“órgão de segunda instância administrativa em matéria tributária e aduaneira, já se deparou com casos em que restou comprovado o desvirtuamento da conformação inicial das stock options, com o evidente intuito de se afastar a incidência de contribuições previdenciárias sobre as parcelas” [5].
Naquela assentada, frisada a importância de que seja levado a cabo uma “investig[ação] minuciosa, caso a caso, [d]as regras dos planos de opções, a fim de que se verifique o seu real alcance e, eventualmente, a existência de subterfúgios contratuais destinados a mitigar a eficácia das normas tutelares do trabalho” [6].
Mas, afinal, o que são os planos de stock options?
Embora não seja projeto recente da criação humana, uma vez que sua gênese remonta à década de 50 nos Estados Unidos [7], a globalização, o desenvolvimento tecnológico e o crescimento das start ups impulsionaram sua utilização.
As opções de compra de ações são definidas como instrumentos derivativos que outorgam ao adquirente o direito de comprar ações de determinada empresa por um valor antecipadamente fixado no presente, a ser exercido em data futura. Para ter tal direito, o adquirente paga um prêmio à vista para ter o direito de, até determinada data, adquirir o ativo por um valor já estipulado na data da outorga da opção.
As employee stock options, como o nome já sugere, são opções de compra de ações concedidas ou já incluídas no pacote de remuneração do obreiro, estipulando-se a possibilidade de aquisições de ações da empresa a um preço determinado por um determinado período de tempo. Há, neste caso, o desembolso apenas do valor correspondente às ações na data do exercício da opção, sem a necessidade de pagamento de um prêmio.
Em resumo, o estabelecimento de um plano de stock options se dá da seguinte forma:
– preestabelece-se um preço para as ações;
– marca-se uma data futura para que a ação possa ser adquirida por aquele preço, se mantida a permanência do profissional na companhia; e,
– vencida a data e durante algum tempo, fica o beneficiário com a opção de adquirir ações da companhia pelo preço anteriormente determinado, independente do valor de mercado da ação.
A jurisprudência — até o momento — majoritária da CSRF do Carf
Substancial número de decisões sobre a temática foi proferido pela 2ª Turma da CSRF nos últimos anos sustentando a natureza remuneratória da verba.
Destacado que “o simples fato de uma empresa ofertar aos seus trabalhadores, um plano de outorga de opção pela compra de ações de forma onerosa, não pode ser fundamentação isolada para a configuração de fato gerador de contribuições previdenciárias” [8]. Reconhecido ser “possível atribuir ao Stock Options Plan (SOP) uma natureza de operação mercantil, desde que estejam presentes na situação concreta as características que afastam a natureza remuneratória (…)” [9].
Para o afastamento da natureza mercantil chamou a atenção, primeiramente, “o fato do empregado adquirir ações com deságio em relação ao mercado” [10]. Do escrutínio dos programas de opção de compra de ações acostado aos autos, concluiu-se que
“a condição para o exercício das opções de compra das ações está atrelada, em todos os casos identificados nos autos, ao cumprimento pelo beneficiário de um período de carência ou vesting, em inglês, chamado também de ‘período de maturação’, equivalente a 3 (três) ou 4 (quatro) anos, pelo qual deve permanecer prestando serviços à empresa.
Na minha compreensão dos fatos, é mais que evidente a natureza contraprestacional da vantagem oferecida em forma de opções de compra de ações, evidenciada pelo período de vesting, no qual o trabalhador deve persistir vinculado à empresa, oferecendo a sua força de trabalho.
(…)
Ademais, em todos os programas, há cláusulas específicas prevendo o tratamento às opções de compra e aos lotes de ações já passíveis de aquisição em casos de encerramento do contrato de trabalho ou fim do mandato do administrador, de aposentadoria ou invalidez permanente. Os eventos de dispensa que configure ou não justa causa recebem uma abordagem diferenciada (fls. 270, por exemplo).
Verifico, portanto, uma relação entre o benefício oferecido e a prestação de serviço pelo empregado ou administrador. Vale dizer, a empresa proporciona, por um lado, uma vantagem ao trabalhador; de outro, o colaborador deve continuar vinculado à contratante, prestando serviços pelo lapso de tempo mínimo estabelecido até adquirir o direito ao exercício das opções de compra das ações (opções maduras)” [11].
Noutra oportunidade, entendeu a CSRF que, além de “o plano não [ser] oferecido a todos os trabalhadores, mas apenas a diretores e altos executivos”[12], não passou despercebido “que a opção de compra era oferecida em caráter personalíssimo, não negociável ou transferível a terceiros, salvo em casos especiais, como a morte do beneficiário, assim mesmo transmissível apenas por herança” [13].
O caráter remuneratório passa a ser observado, no caso concreto, na medida em que os planos de stock options se revelaram como uma via oblíqua para que o empregado ou contribuinte individual continuasse a prestar seus serviços, de modo a auferir uma possibilidade de remuneração indireta.
Um ponto de inflexão
Em que pese a acachapante maioria dos precedentes da 2ª Turma da CSRF exibir o entendimento de ser a verba de natureza remuneratória, há um julgado que, por maioria, defendeu ostentar cariz mercantil.
Dito que da leitura do disposto no §3º do artigo 168 da Lei das Sociedades Anônimas – dispositivo referenciado no PL nº 2.724/2022, destacamos – seria possível “depreender (…) que a outorga é um ato societário, o que, a princípio, afasta os efeitos previdenciários que lhe foram atribuídos pela fiscalização” [14].
Além de entender ser o plano acessório ao contrato, sustentado que
“[o] rendimento, nessa hipótese, não é oferecido e nem pago ou creditado pela empresa, mas sim pelo mercado acionário, em decorrência do aumento do valor do ativo ação em razão de fatores mercantis, inclusive de fatores macro e microeconômicos, que fogem completamente ao controle da companhia” [15].
Conclui-se que “[s]obre a natureza mercantil dos planos (…), também em regra, eles são [i] voluntários e [ii] onerosos, além de trazerem um certo [iii] risco ao trabalhador” [16]. O primeiro requisito decorreria da ausência de imposição para a adesão ao plano, ao passo que o segundo diz respeito ao fato de não terem sido as ações concedidas de forma gratuita. Por derradeiro, a terceira condição inarredável e cumulativa para a caracterização do plano como de natureza mercantil repousa na volatilidade do mercado.
Embora tenham sido três as notas fixadas para a caracterização do plano como sendo de natureza mercantil, certo que a multiplicidade de situações fáticas que se descortinam acaba dificultar a enunciação de uma regra geral. Ainda que discrepe o precedente da jurisprudência majoritária da CSRF, resta bem evidenciado que a conclusão obtida esteve umbilicalmente atrelada à análise do caso em específico, com todas as suas particularidades.
Conclusão
Os planos de stock options (planos de opção de compra de ações), por serem tipo de investimento de longo prazo, acabam ganhando especial destaque em momentos de crise. A jurisprudência da 2ª Turma da CSRF vinha, em composição diversa da que ora se apresenta, entendendo que: 1) em regra, os planos de stock options ostentam natureza remuneratória; 2) a data do fato gerador é coincidente com a data do exercício do direito de compra; e, 3) a base de cálculo é apurada a partir da diferença positiva entre o preço de mercado da ação na data do exercício e o preço da ação antecipadamente fixado na data de outorga das opções.
Os precedentes emanados do Carf podem – e devem – auxiliar tanto o Poder Legislativo quanto o Judiciário para a pacificação da querela. Não podem, contudo, olvidar que o rótulo oferecido à verba é insuficiente para caracterizá-la como remuneratória ou mercantil. Apenas uma acurada análise das condições estabelecidas no plano é que poderá o intérprete, com segurança, afirmar estarem (ou não) sujeitas à incidência das contribuições previdenciárias. De bom alvitre lembrar: fórmulas simples não resolverão problemas complexos!
*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas._
Ex-deputado é condenado por sugerir que associação defende nazismo
Com o entendimento de que ficou caracterizado no caso um abuso do direito à liberdade de expressão, a 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão da 38ª Vara Cível da Capital, proferida pelo juiz Danilo Mansano Barioni, que condenou o ex-deputado federal Jean Wyllys a indenizar o Movimento Renovação Liberal por danos morais após uma publicação em rede social. Segundo os autos, o ex-parlamentar sugeriu que a entidade era defensora do nazismo. O ressarcimento foi fixado em R$ 10 mil.
ConJur
TJ-SP manteve a decisão de primeira instância que condenou o ex-deputado
Em seu voto, o relator do recurso, Jair de Souza, considerou que a postagem ultrapassou os limites da liberdade de expressão e configurou ato ilícito por generalizar a acusação do crime a todos os membros da associação e a pessoa jurídica.
“O fato de um membro do autor ser ignorante a respeito das razões pelas quais a apologia do nazismo é proscrita não autoriza concluir que os demais membros também sejam e muito menos que defendem o nazismo”, apontou o magistrado. “A liberdade de expressão tem limites e um deles é a responsabilização civil quando usada para a prática de ato ilícito que causa dano à honra objetiva alheia”, completou ele.
Os desembargadores Elcio Trujillo e Coelho Mendes completaram a turma de julgamento. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-SP._
Regras da nova LIA sobre bloqueio de bens se aplicam a casos anteriores à sua vigência, diz STJ
As regras para permitir a indisponibilidade de bens da pessoa alvo de ação de improbidade administrativa, alteradas pela Lei 14.230/2021, se aplicam para decisões anteriores à sua vigência que ainda estejam em vigor.
A conclusão é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao recurso especial ajuizado pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte em um caso de fraude à licitação em contratações para a festa junina da Prefeitura de Guamaré (RN).
O órgão de acusação defendia o bloqueio de bens de R$ 5,9 mil dos acusados dos atos de improbidade, pedido que foi negado pela Justiça estadual do Rio Grande do Norte em 2017.
Em 2021, entrou em vigor o novo texto da Lei de Improbidade Administrativa, que aumentou as exigências para o deferimento da indisponibilidade de bens dos réus. Por 3 votos a 2, o STJ entendeu que essas normas deveriam orientar a análise do caso.
Como já mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, essa tem sido a posição de juízes de primeira instância pelo Brasil, que têm afastado a indisponibilidade de bens pela aplicação imediata das regras alteradas pela nova LIA.
Como era e como ficou
Antes da entrada em vigor da novo texto, a decretação da indisponibilidade de bens era menos rígida. Se houvesse indícios do ato de improbidade, a medida cautelar poderia ser indeferida, pois presumia-se o requisito do perigo da demora (periculum in mora).
Essa posição foi fixada pelo STJ em tese vinculante julgada sob o rito dos recursos repetitivos em 2014, no REsp 1.366.721, e foi desrespeitada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, no caso dos autos.
O TJ-RN afastou a indisponibilidade de bens dos acusados porque entendeu que não houve a demonstração do requisito da urgência. Em teoria, essa posição seria reformada pela 1ª Turma.
A maioria, no entanto, decidiu julgar o caso já com base nas novas normas agora vigentes, na atual redação do artigo 16, parágrafo 3º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992).
E de acordo com elas, é preciso demonstrar o perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo para o deferimento da medida.
Voto desempate
A posição da maioria foi desenhada em voto-vista do ministro Sergio Kukina, encampada pelo relator, Gurgel de Faria, e no voto de desempate, de Benedito Gonçalves.
Para eles, decisão de indisponibilidade possui caráter processual por ter natureza de medida de urgência, a qual pode ser modificada ou revogada a qualquer tempo. Logo, tem aplicação imediata aos processos em curso.
“Malgrado não seja possível a retroação do artigo 16, parágrafo 3º, da Nova LIA ao tempo da decisão de indeferimento da liminar de indisponibilidade de bens, porquanto proferida sob à égide da Lei 8.429/1992 com a redação original, a referida norma tem aplicabilidade imediata ao caso em apreço, em razão de seu nítido caráter processual”, resumiu o ministro Bendito.
Posição vencida
Abriu a divergência e ficou vencida a ministra Regina Helena Costa, acompanhada do ministro Paulo Sérgio Domingues. Para eles, mesmo as normas de caráter processual da nova LIA não podem reatroagir.
Essa posição se baseia em interpretação restritiva do precedente do Supremo Tribunal Federal, que em 2022 fixou quatro teses explicitando algumas situações em que a nova LIA pode ser aplicável aos casos anteriores à sua vigência.
A princípio, o STJ entendeu que apenas e exclusivamente nas situações citadas pelo Supremo seria possível a retroação. Essa interpretação restritiva foi colocada em dúvida por advogados ouvidos pela ConJur, a partir de decisões monocráticas no próprio STF.
Ainda segundo a ministra Regina Helena Costa, a aplicação da teoria do isolamento dos atos processuais obriga que o TJ-RN analise o pedido de acordo com a norma vigente à época.
A conclusão é de que a corte estadual analisou superficialmente a questão, confundindo, indevidamente, a plausibilidade do direito com a necessidade de comprovação da dilapidação ou ocultação dos bens.
Assim, a conclusão da posição vencida foi de dar provimento ao recurso especial, para devolver os autos às instâncias ordinárias para novo julgamento._
Prestação de contas em campanha foi o tema mais julgado em 2022 pelo TRE-SP
Depois de um pleito polarizado e uma pandemia catastrófica, a Justiça Eleitoral em São Paulo se prepara para as eleições municipais de 2024, sob nova direção. Em dezembro de 2021, venceu o mandato do presidente Paulo Galizia, que foi substituído por Silmar Fernandes, que até então ocupava a vice-presidência. Desta forma, pode-se imaginar que a condução dos assuntos eleitorais no estado terá continuidade. A Vice-presidência e a Corregedoria estão entregues, desde então, ao desembargador Encinas Manfré. Já em 2024, o advogado Rogerio Cury tomou assento na bancada de julgadores da corte, na classe dos juristas, que conta ainda com Marcio Kayatt, até maio de 2024, e Danyelle Silva Galvão, como substituta.
Enquanto julga litígios partidários, o tribunal investe na modernização do sistema, tendo em vista a prestação judicial e a atenção ao eleitor. A meta é a informatização de procedimentos nas duas frentes. “A biometria torna o sistema de votação mais seguro porque garante a identificação do eleitor”, afirmou o então presidente, Paulo Galiza. Com o e-título, é possível atualizar dados e resolver pendências sem ir ao cartório eleitoral. Da mesma forma, doações eleitorais feitas por Pix permitem melhor rastreabilidade do dinheiro, o que facilita a fiscalização.
Galizia avalia que, ao organizar a pauta de julgamento, o tribunal deu mais foco às ações consideradas importantes. “Houve um grande empenho para que os processos mais graves fossem julgados com mais rapidez, e o Ministério Público também atuou com esse mesmo foco. Talvez a gente tenha diminuído o número geral de litígios, mas foi porque nos preocupamos com questões mais relevantes”, afirma.
Em 2022, foram deferidas 229 liminares em segunda instância. Em ano eleitoral, a primeira leva de demandas foi de registros de candidatura. “É um período bastante intenso e tivemos casos como a questão de domicílio de Sergio Moro”, lembra o presidente. Moro, que concorreu e foi eleito senador pelo Paraná, tentou antes disputar a eleição em São Paulo. Sua candidatura paulista foi barrada porque ele não conseguiu provar seu domicílio no estado. Outro registro de candidatura contestado por denúncia de fraude no domicílio eleitoral foi o do candidato a governador, Tarcísio de Freitas (PR-SP). Embora Freitas nunca tenha residido no estado, o TRE aceitou as provas e aprovou seu registro.
O tema mais julgado em 2022 foi o de prestação de contas de campanha. Dos 947 processos julgados até agosto de 2023, 25% tratavam do tema. Em junho, 55% dos 7.466 diretórios municipais do estado não tinham enviado o balanço anual para a Justiça Eleitoral. Dos 156 julgados no período, 46 tiveram as contas desaprovadas, com aplicação de multas no valor de R$ 7 milhões. Está em recurso no TSE decisão do tribunal paulista que reprovou as contas do diretório estadual do PT, com falhas que corresponderiam a mais de R$ 7 milhões. O TRE-SP aplicou mais de R$ 74 milhões em multas nos 83 processos relativos à propaganda e direito de resposta. Desse montante, 63 ações, envolvendo R$ 511 mil, transitaram em julgado.
Galizia, que acompanha eleições desde os tempos em que a propaganda era feita com outdoors, avalia que as redes sociais deram voz a todos. “Ficou mais igualitário, com os riscos próprios da internet”, pondera. “As fakes news são um fenômeno mundial, mas estou convencido de que as pessoas já não são pegas tão facilmente por essas informações.” O papel da Justiça Eleitoral, diz Galizia, é punir os infratores e orientar a população.
Outra preocupação da Justiça eleitoral paulista foi o de garantir a cota de candidaturas reservadas às mulheres pelos partidos, e fiscalizar postulações fictícias, lançadas apenas para cumprir a obrigação. “A dúvida que se coloca é a extensão da punição. A tendência é a cassação da chapa para inibir futuras infrações do partido”, opina o presidente.
As cotas raciais provocam dilemas semelhantes. Como é notável o descumprimento dos partidos nesses temas, há um projeto de lei de anistia para quem não destinou verbas de campanha a mulheres e negros. “Sou contra qualquer tipo de anistia porque ela torna sem efeito as decisões da Justiça Eleitoral”, avalia Galizia. O tema das cotas foi o mais frequente entre os recursos novos de eleições anteriores. Desde o pleito de 2020, 209 candidatos a vereador em cidades paulistas tiveram o mandato ou diploma cassados pela Justiça Eleitoral por desrepeito à cota de gênero._
Proposta de alteração no Código Civil não muda status jurídico dos animais
O tratamento jurídico conferido aos animais foi um dos temas abordados no relatório da comissão de juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil, apresentado no último mês.
A proposta da comissão reconhece os animais como seres sencientes — ou seja, capazes de ter sensações —, que podem ter proteção jurídica própria, devido às suas características peculiares. Regras mais detalhadas são delegadas a uma futura lei especial.
Hoje, os animais são classificados pelo Código Civil como bens, mas os especialistas no tema ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico indicam que o texto sugerido não altera esse status jurídico.
Alguns deles entendem que a proposta poderia — e deveria — avançar mais, para deixar mais explícitos os direitos dos animais. Mas há também quem apoie o modelo atual e rejeite maiores mudanças práticas.
Redação
De acordo com a proposta da relatoria-geral, “os animais, objetos de direito, são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua natureza especial”.
O artigo 91-A sugerido pela comissão diz que a proteção jurídica em questão “será regulada por lei especial, a qual disporá sobre o tratamento físico e ético adequado aos animais”.
Até lá, o texto prevê que sejam aplicadas aos animais as regras relativas aos bens — “desde que não sejam, considerando a sua sensibilidade, incompatíveis com a sua natureza”.
Por fim, o dispositivo reconhece que a relação afetiva entre humanos e animais pode gerar “legitimidade para a tutela correspondente de interesses, bem como pretensão reparatória por danos experimentados por aqueles que desfrutam de sua companhia”.
Há ainda outra menção aos animais no relatório. O artigo 19 sugere que “a afetividade humana também se manifesta por expressões de cuidado e de proteção aos animais que compõem o entorno sociofamiliar da pessoa, podendo dela derivar a legitimidade para a tutela correspondente desses interesses e pretensão reparatória de danos”.
Nada muda
No Código Civil de 2002, atualmente vigente, os animais são tratados dentro do “Direito das coisas”.
A proposta da comissão declara a senciência dos animais e, de acordo com o advogado Sergio Iglesias Nunes de Souza, professor de Direito Civil da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP), ninguém discorda dessa característica.
No entanto, na visão dele, a redação da proposta, do jeito que está, “não deve ser mola propulsora para um entendimento de que disso possa resultar uma mudança da sua natureza para sujeito de direitos ou seja ele equiparado a um membro familiar”.
O que mantém inalterada a situação jurídica dos animais é a expressão “objetos de direito”. Ou seja, pela proposta, os animais continuam sendo considerados bens.
“A partir do momento em que é expresso que a natureza jurídica do animal é a de bem, objeto de direito, não há abertura para se considerar que o animal é parte legítima para qualquer propositura de demanda em qualquer polo de uma ação ou que, agora, ganharia ou deva ganhar a qualificação de sujeitos de direitos”, aponta Iglesias.
Para o juiz federal Vicente de Paula Ataide Junior, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), pós-doutor em Direito Animal e membro consultor da comissão de reforma do Código Civil, a inclusão dessa expressão na parte que rege os bens “faria com que a qualificação civil dos animais permanecesse a mesma da atualidade, sem avanços práticos”.
Apesar de sua preocupação com esse problema, Ataide revela que “há um clima favorável na comissão de juristas para eliminar o termo”.
O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima editou uma nota técnica que sugere a supressão da expressão “objetos de direito”.
Foto de Leon Woods no Pexels
Comissão de reforma do Código Civil abordou tratamento jurídico dos animais sem retirar status de bens
Simbolismo
O advogado e procurador de Justiça aposentado Édis Milaré, um dos maiores nomes do Direito Ambiental brasileiro, confirma que a inclusão da expressão “objetos de direito” mantém o status jurídico que os animais já ostentam no Código Civil atual.
Ele considera importante a previsão de que são seres “sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua natureza especial”, mas ressalta que o Judiciário já vem reconhecendo “uma personalidade sui generis” dos animais.
Milaré lembra que muitas decisões já os estabelecem “como entes que têm acesso ao Judiciário para defesa dos seus direitos”.
A mais significativa delas foi proferida em 2021 pelo Tribunal de Justiça do Paraná, em um processo movido por uma ONG sobre dois cachorros vítimas de maus-tratos e abandono. Os animais foram deixados sozinhos, sem assistência, por 29 dias após os donos viajarem.
Na ocasião, os desembargadores da 7ª Câmara Cível reconheceram os cães como autores da ação judicial em defesa de seus próprios direitos e devolveram o processo à primeira instância — que, de início, não havia aceitado os animais como partes do processo.
Quanto ao artigo 19 da proposta da comissão, o advogado explica que “nossos tribunais já vêm entregando essa resposta à comunidade”.
O próprio Superior Tribunal de Justiça já decidiu sobre a guarda de uma cadela de estimação após a separação de um casal. Na ocasião, os ministros reconheceram que os animais são mais do que bens e menos do que pessoas.
“Os fatos sociais vêm antes da lei”, reflete Milaré. “Essa disposição me parece inteiramente procedente. Mas ela é mais um recado romântico.”
Na sua visão, o único avanço do artigo 19 e do artigo 91-A é trazer “para a seara do Direito posto aquilo que já está sendo entregue pelos tribunais na prática” — ou seja, reiterar o que já existe “no encaminhamento da doutrina mais atenta e da jurisprudência mais atualizada”.
Pós-iluminismo
De acordo com Milaré, esse entendimento presente na doutrina e na jurisprudência brasileiras é fruto do que ele chama de “pós-iluminismo” do Direito Ambiental brasileiro, cuja principal característica é “uma virada ecocêntrica”.
Antes, o Direito Ambiental caminhava com a ideia de que o homem era o centro de tudo. O próprio Código Civil de 2002 seguiu essa linha.
Milaré usa a expressão pós-iluminismo para se referir aos últimos anos e diferenciar a nova onda do período anterior, que ele chama de iluminismo — iniciado na década de 1980 e marcado pela edição de diversas leis com avanços importantes para a área.
O pós-iluminismo do Direito Ambiental é pautado, principalmente, em uma nova interpretação do artigo 225 da Constituição, que diz: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”. A ideia é que o termo “todos” não se refere apenas ao homem e que os animais também têm esse direito.
“Os estados já vêm legislando e modernizando os seus estatutos legislativos quando se refere à tutela dos animais”, conta o advogado. Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba, por exemplo, possuem leis que reconhecem os animais como sujeitos de direitos despersonificados.
Esse regime jurídico permite que os animais tenham alguns direitos, “necessários e adequados à sua natureza especial”, sem que tenham status equivalente ao dos humanos. É um meio-termo entre defini-los como bens e considerá-los como pessoas.
“Algumas dessas leis são expressas, por exemplo, em atribuir aos animais o direito à saúde, à moradia adequada e à proteção contra maus-tratos”, acrescenta Ataide.
Para o juiz, definir os animais como “objetos de direito” pode “lançar por terra” as leis locais que atribuem direitos fundamentais aos animais.
Sujeitos, não coisas
Milaré acredita que é preciso encontrar “uma maneira de deixar de enfatizar que o animal é objeto de direito”, como forma de “acompanhar aquilo que a doutrina mais atenta tem entendido”. Para ele, se isso acontecesse, o Brasil se tornaria um “país de primeiríssimo mundo em termos de tutela de proteção de animais”.
O advogado não vê grande progresso com a redação atual da proposta de atualização do Código Civil. Há, claro, o avanço de definir os animais como sencientes, possibilitar sua proteção jurídica e reconhecer sua natureza especial, mas falta “tirar esse estigma da coisificação”.
Segundo ele, dentro da nova onda do Direito Ambiental, “tudo caminha para que a natureza e os animais sejam descoisificados”. A justificativa é simples: “A fauna é o termômetro da biodiversidade para a manutenção do equilíbrio ecológico”.
Além da proposta da comissão de reforma do Código Civil, existem outros projetos de lei que pretendem classificar os animais como sujeitos de direitos despersonificados. O mais notório é o PL 6.054/2019, que atualmente aguarda parecer do relator na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara.
Vicente Ataide Junior entende que a própria Constituição já reconhece, de forma implícita, a senciência dos animais, pois proíbe a crueldade contra eles.
Ele ainda aponta que algumas leis garantem o direito à vida a determinados animais: a Lei de Crimes Ambientais aos animais silvestres; a Lei 7.643/1987 aos cetáceos (como baleias e golfinhos); e as Leis 13.426/2017 e 14.228/2021 aos cães e gatos.
“Falta, de fato, adaptar o Código Civil a esse extraordinário avanço da tutela jurídica dos animais”, completa Ataide. Na opinião do juiz, a norma não pode continuar sendo usada “para impedir uma proteção mais adequada dos animais” ao tratá-los como coisas.
“Isso viola a Constituição, contraria a tendência da jurisprudência dos nossos tribunais superiores e conspira contra o sentimento social crescente de empatia e respeito aos animais com seres vivos sencientes, dotados de valor intrínseco e de dignidade própria.”
Como membro consultor da comissão, Ataide sugeriu que o artigo 91-A seja deslocado para fora da porção do Código Civil relacionada aos bens e que o regime aplicável aos animais enquanto não vier a nova lei especial seja o dos entes despersonalizados.
Coisas, não sujeitos
Sergio Iglesias tem opinião diferente. Para ele, o Código Civil deve manter os animais com a natureza jurídica de bens e deixar mais explícito que são bens semoventes (com movimento próprio).
“Em que pese a senciência, o animal não tem o discernimento necessário para distinguir o lícito e o ilícito”, assinala. Por isso, “o dever e o direito relativo ao animal devem recair somente àquele que é proprietário, justo possuidor ou até ao seu detentor”.
Ele acredita ainda que é possível reconhecer os animais domésticos como bens infungíveis (insubstituíveis), já que as pessoas geralmente desenvolvem afeto por cada um deles.
Tal qualificação “seria útil no sentido de entender que a afetividade poderá ensejar, pelo aplicador do Direito, possíveis efeitos protetivos e indenizatórios”.
O advogado, porém, não acha correto equiparar os animais domésticos a membros de uma “família multiespécie”, pois, assim, seriam sujeitos de direitos. Segundo ele, isso traria “conceitos conflitantes com toda a estrutura atual do nosso Código Civil” e causaria “inúmeros problemas técnicos jurídicos e incoerências normativas”.
Na visão de Iglesias, nada disso significa deixar de lado o bem-estar e a proteção da saúde dos animais. Ele diz que legislações futuras podem regular o tratamento dos animais domésticos sem necessidade de autorização prévia do Código Civil.
Mas eventuais normas regulamentadoras devem seguir os parâmetros do Código de 2002, isto é, “considerado o bem animal quanto à sua natureza jurídica de bem semovente e estabelecer os deveres de seus envolvidos em conformidade com a relação jurídica existente”.
Uma possibilidade é determinar a certos estabelecimentos comerciais, como os pet shops, cuidados especiais para manter a saúde e a integridade física dos animais durante seus serviços. Também podem ser estipuladas regras voltadas a empresas aéreas para transporte de animais com cuidados especiais.
O professor lembra que a legislação atual “responsabiliza objetivamente o fornecedor de serviço por danos ao animal perante os consumidores”. Portanto, ele considera “desnecessário mencionar um regime jurídico próprio” no Código Civil.
Ele também não vê problema em reconhecer a senciência dos animais, mas ressalta que “isso é objeto de estudo de outros ramos do conhecimento humano, desnecessários para alçar mudanças da qualificação jurídica do animal”.
Além disso, esse critério não lhes garante “a característica de sujeitos de direito”, mas apenas “declara a sua condição ou estado de existência”. É por isso que Iglesias questiona: “Até que ponto é tarefa da ciência do Direito declarar aquilo que já é?”.
Em resumo, o advogado defende que qualquer atribuição de direito ou dever ao animal pode “beirar a uma norma inconstitucional, já que a titularidade dos direitos e deveres é das pessoas, isto é, da sociedade”.
De acordo com ele, a relação afetiva entre pessoas e animais pode gerar “legitimidade somente das pessoas para a tutela correspondente de seus interesses que estejam de acordo com a proteção e saúde do animal, bem como eventual pretensão indenizatória por perdas e danos sofridos” — como danos físicos ao animal ou sua morte.
Ou seja, eventuais danos morais “dizem respeito exclusivamente à personalidade humana, por exemplo, do proprietário ou justo possuidor do bem animal”. Isso porque “os direitos de personalidade existem somente em relação à pessoa humana”, diz Iglesias, com base no Código Civil atual.
Da mesma forma, os proprietários ou possuidores têm o dever de zelar pelo bem-estar dos animais e são responsáveis por danos causados por eles, a exemplo de agressões contra terceiros ou perturbação do sossego._
Revista deve indenizar Geraldo Alckmin em R$ 150 mil por reportagem
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a Três Editorial, empresa responsável pela publicação da revista IstoÉ, terá de indenizar em R$ 150 mil o atual vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB), por associá-lo, em reportagem de 2013, a um suposto esquema de desvio de dinheiro público em contratos do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), durante sua gestão como governador de São Paulo.
Reportagem deu a entender que o ex-governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, sabia de esquema de corrupção
Por maioria de votos, o colegiado entendeu que a reportagem excedeu o limite razoável da liberdade de expressão e informação ao relacionar a imagem do político à investigação criminosa.
A reportagem que motivou a ação indenizatória foi destacada na capa da IstoÉ com o título “O Propinoduto do Tucanato Paulista”, acompanhada de uma foto de Alckmin. Outros textos de conteúdo semelhante foram divulgados posteriormente.
Em primeira instância, a editora foi condenada a pagar indenização por danos morais e a retirar o conteúdo do site da revista. No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença ao avaliar que a reportagem se limitou a narrar as denúncias e investigações sobre o caso, sem imputar prática criminosa diretamente ao ex-governador.
Relator do processo no STJ, o ministro Moura Ribeiro lembrou que o direito à liberdade de pensamento e de expressão não é absoluto, podendo ser limitado em razão de outros direitos fundamentais, em especial a inviolabilidade da honra. Dessa forma, segundo o ministro, o conflito entre princípios deve ser analisado racionalmente a partir de cada caso concreto.
Partindo dessa premissa, Moura Ribeiro destacou que a publicação utilizou informações e investigações oficiais de conhecimento público e notório, mas ultrapassou o limite razoável do direito à informação e praticou ato ilícito que gerou dano moral a Geraldo Alckmin.
Ao restabelecer a indenização, o relator apontou que a reportagem “extrapolou os limites do direito de informar ao veicular, de forma descuidada ou, quem sabe, intencional, a imagem do autor à investigação de conduta criminosa na capa do periódico, abaixo do título ‘O Propinoduto do Tucanato Paulista’, e nas manchetes seguintes, dando a entender que Geraldo não só sabia dos esquemas de corrupção, como nada fez para combatê-los”. Com informações da assessoria de comunicação do STJ. _
Constituir família, por si só, não afasta presunção de estupro de vulnerável
A gravidez da vítima e a constituição de família não são suficientes para afastar a presunção do estupro de vulnerável da pessoa menor de 14 anos, nem diminuem a responsabilidade penal do acusado.
Réu foi repreendido pelos pais da vítima e pelo Conselho Tutelar antes de engravidá-la
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou pedido de Habeas Corpus e manteve a condenação de um homem por estupro de vulnerável praticado quando ele tinha 20 anos, contra uma menina de 13.
O réu foi condenado a 20 anos de reclusão. No STJ, a defesa tentou afastar a presunção de crime ao apresentar uma hipótese de distinguishing (distinção) para a tese de que a relação com pessoa menor de 14 anos é crime.
A ideia é de que a relação foi consentida pela vítima, apesar da idade, e que a gravidez dela gerou a constituição de uma família, fator que não deve ser desprezado na análise do caso.
Em casos excepcionalíssimos, esses fatos têm levado o STJ a afastar a presunção de crime. No mais recente deles, em 12 de março, a 5ª Turma manteve a absolvição de um homem que, quando tinha 20 anos, relacionou-se com uma menina de 12.
A conclusão de que não houve crime, naquele caso, partiu do tribunal do segundo grau, que analisou que houve união estável entre acusado e vítima e que a condenação seria mais prejudicial ao núcleo familiar.
Essa posição já foi aplicada em outras oportunidades pela 5ª Turma do STJ e também pela própria 6ª Turma. Ambos os colegiados, ainda assim, têm fechado as portas para o amplo uso dessa distinção, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico.
Nesse caso, não
No caso julgado pela 6ª Turma, de 20 de fevereiro, a distinção foi afastada porque o réu foi repreendido pelos pais da menor e pelo próprio Conselho Tutelar. Ainda assim, manteve o relacionamento. Ao todo, foram de seis a oito relações, período que gerou a gravidez.
Relator da matéria, o ministro Rogerio Schietti destacou que o fato de o relacionamento ter gerado filho torna ainda mais gravosa a conduta, por impor precocemente uma gravidez à vítima, cuja idade implica riscos à sua saúde física e mental.
O fato de, a partir do estupro de vulnerável, gerar-se um filho é causa de aumento de pena, conforme o artigo 234-A, inciso III do Código Penal. E a criança sequer chegou a ser registrada pelo réu.
“Saliento que os julgados citados pela defesa para embasar eventual distinguishing versaram hipóteses em que houve não apenas o reconhecimento e o consentimento do relacionamento amoroso pelos pais da vítima como também a constituição de uma família, o que não se coaduna com o presente caso”, disse o relator.
Em voto-vista, o ministro Antonio Saldanha Palheiro reforçou essa interpretação ao apontar que não ficou demonstrado o consentimento da família quanto ao relacionamento, do qual adveio uma filha, em cujo registro nem sequer consta o nome do paciente como pai da criança.
“Nessa linha, não ficou demonstrada a constituição de núcleo familiar, não se podendo olvidar que não mais persiste o relacionamento entre os envolvidos, embora a vítima, segundo seu próprio depoimento, tenha afirmado nutrir sentimentos pelo paciente.”_
Contribuinte deve ser indenizado por erro cometido pela Receita Federal
As pessoas jurídicas de Direito Público respondem pelos danos causados por seus agentes, sendo a responsabilidade objetiva, ou seja, não dependente da comprovação de culpa.
Receita terá de indenizar por equívoco em inclusão de nome de homem em sociedade
Com esse entendimento, a juíza Maria Vitória Maziteli de Oliveira, da 4ª Vara do Gabinete JEF de São Paulo, decidiu que a União Federal deve indenizar um contribuinte por causa de um erro cometido pela Receita Federal.
O órgão cadastrou o nome do homem como sócio de uma empresa da qual ele nunca fez parte e sobre a qual não tem qualquer conhecimento. O autor do processo relata ter ficado impossibilitado, por ao menos 18 meses, de formalizar seu cadastro como microempreendedor individual (MEI).
À época dos fatos, constava no site do governo federal que o CPF do autor estava vinculado a um CNPJ, impossibilitando a abertura de MEI. Em fevereiro de 2022, ele compareceu a uma unidade da Receita Federal, em São Paulo, onde foi informado sobre a sociedade.
A União alegou que fez a correção conforme pedido do autor. Assim, não haveria motivos para comprovar a existência de dano moral.
Considerando que as questões relativas ao CPF no cadastro da Receita Federal têm reflexos expressivos na vida do titular, sendo o instrumento que permite praticar atos como abertura de contas, cadastros, retirada de documentos e negócios em geral, a magistrada decidiu que a União deve indenizar o contribuinte.
“No caso aqui discutido, fixo o valor da indenização em R$ 3 mil, quantia esta suficiente, em nosso entender, para que sejam alcançadas as finalidades acima expostas, ainda mais que não há prova de outras repercussões no cotidiano do autor”, diz a decisão._
Financiamentos externos do BID e do Bird: o poder dos municípios
No cenário atual, caracterizado por uma crescente busca por desenvolvimento sustentável e inclusivo, os municípios enfrentam o desafio de identificar fontes de financiamento que possam apoiar suas iniciativas.
Neste contexto, os financiamentos externos oferecidos por instituições como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), parte do Grupo Banco Mundial, emergem como alternativas valiosas para impulsionar o desenvolvimento local.
BID e Bird, dois relevantes organismos multilaterais de cooperação, desempenham um papel crucial ao proporcionar recursos financeiros e suporte técnico para projetos em diversas áreas, incluindo infraestrutura, saúde, educação, social e gestão ambiental.
Tais projetos não apenas visam promover o crescimento econômico, mas também focam em melhorar a qualidade de vida da população, garantindo assim um desenvolvimento mais equitativo, eficiente e sustentável.
Oportunidades e desafios
A captação de recursos externos abre um leque de oportunidades para os municípios. Projetos financiados pelo BID e Bird podem resultar em melhorias significativas na infraestrutura local, como a construção de estradas, escolas, e hospitais, bem como no fortalecimento das políticas de desenvolvimento social e ambiental.
Além disso, a colaboração com estas instituições internacionais proporciona acesso a uma vasta rede de conhecimento e experiências globais, possibilitando a adoção de melhores práticas e inovações o que ocasiona o fortalecimento institucional dos mutuários dos projetos com a assistência técnica desses organismos.
Spacca
Contudo, acessar esses financiamentos externos também apresenta desafios. Os municípios precisam não apenas apresentar projetos bem estruturados e alinhados com as diretrizes dessas instituições, mas também demonstrar capacidade de gestão e sustentabilidade financeira a longo prazo. Além disso, é fundamental garantir a transparência e a participação cidadã em todas as etapas do projeto, desde a concepção até a execução e avaliação.
Assim, as boas práticas trazidas nesses projetos trazem o aperfeiçoamento da gestão, com técnicas globais para as contratações não só as internacionais como também as nacionais. Além do modo de acompanhamento e execução dos contratos, têm-se também como legado o modo de implementação das políticas públicas.
Estratégias para o sucesso
Para maximizar as chances de sucesso na obtenção de financiamentos do BID e do Bird, os municípios devem investir na elaboração de planos de desenvolvimento sólidos e integrados, que reflitam as necessidades e prioridades locais.
Nesse sentido, atrelar o projeto a ser financiado pelo BID ou Bird, ao planejamento estratégico do órgão, é uma forma de deixar sólida execução e desenvolvimento do projeto. A articulação com outros níveis de governo pode também ampliar as possibilidades de financiamento e implementação dos projetos.
É imprescindível, ainda, que os municípios se preparem adequadamente para gerir os recursos obtidos, implementando práticas de boa governança, gestão fiscal responsável, e mecanismos eficientes de monitoramento e avaliação dos projetos.
Aspectos da nova Lei de Licitações
Quando se trata de projetos com os organismos multilaterais de cooperação, cabe lembrar que a Lei nº 14.133/21, a chamada nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, exclui a sua própria aplicabilidade, ao dispor o seguinte:
“Art. 1º …
(…)
3º Nas licitações e contratações que envolvam recursos provenientes de empréstimo ou doação oriundos de agência oficial de cooperação estrangeira ou de organismo financeiro de que o Brasil seja parte, podem ser admitidas:
(…)
II – condições peculiares à seleção e à contratação constantes de normas e procedimentos das agências ou dos organismos, desde que:
a) sejam exigidas para a obtenção do empréstimo ou doação;
b) não conflitem com os princípios constitucionais em vigor;
c) sejam indicadas no respectivo contrato de empréstimo ou doação e tenham sido objeto de parecer favorável do órgão jurídico do contratante do financiamento previamente à celebração do referido contrato;
(…)
4º A documentação encaminhada ao Senado Federal para autorização do empréstimo de que trata o § 3º deste artigo deverá fazer referência às condições contratuais que incidam na hipótese do referido parágrafo.
(…)
Art. 3º Não se subordinam ao regime desta Lei:
I – contratos que tenham por objeto operação de crédito, interno ou externo, e gestão de dívida pública, incluídas as contratações de agente financeiro e a concessão de garantia relacionadas a esses contratos;”
Por tais razões, gestores públicos no Brasil também devem seguir as diretrizes (“guidelines”) ou políticas desses organismos, mas desde que elas não conflitem com princípios básicos, tais como isonomia, julgamento objetivo e outros relacionados às licitações e contratações (Acórdãos nº 3239/2010, nº 2238/2013 e nº 1866/2015, todos do Plenário do Tribunal de Contas da União).
BID
Áreas de foco
O BID tem como foco em financiamentos para a América Latina e o Caribe, voltados a projetos que envolvam desenvolvimento social, infraestrutura, meio ambiente e integração regional. Para isso, é preciso que os planos para o projeto a ser proposto sejam alinhados com o objetivo do organismo, com planejamento de metas e indicadores que sejam exequíveis e que acompanhem o planejamento do órgão, para que a execução do projeto seja sustentável e satisfatória para o mutuário.
Métodos de aquisições
Os métodos de aquisição do BID se dividem em duas grandes categorias: Bens, Obras e Serviços que não são de Consultoria e a Seleção de Consultoria. Os métodos de Seleção para as aquisições de Bens e Obras e Serviços que não são de Consultoria são: Licitação Píublica Internacional (LPI); Licitação Pública Nacional (LPN), Comparação de Preços (CP) e Contratação Direta (CD). As Consultorias podem ser de empresa ou consultoria individual, pessoa física. Os métodos de contratação de consultoria de empresa são: Seleção Baseada em Qualidade e Custo (SBQC); Seleção Baseada na Qualidade (SBQ); Seleção Baseada no Orçamento Fixo (SBOF); Seleção Baseada no Menor Custo (SBMC); Seleção Baseada nas Qualidades do Consultor (SQC) e Seleção Direta (SD). E as aquisições com financiamento do BID são regidas por políticas próprias do Banco (dentro da previsão do artigo 1º, § 3º, inciso II, da Lei nº 14.133/21), ficando estabelecido qual será o regulamento no momento de assinatura do acordo de empréstimo, com afastamento da legislação licitatória local e de contratos em geral, salvo exceções, como se tem para parte dos pregões.
Bird
Áreas de foco
O Bird tem como foco a reconstrução e o desenvolvimento dos entes e organismos governamentais, que contribuam para o desenvolvimento dos países. Nessa linha, os projetos que envolvam melhoria em infraestrutura e fortalecimento institucional nas áreas como saúde, educação e gestão social e ambiental aumentam a possibilidade de financiamento. Para isso, é preciso que os planos para o projeto a ser proposto sejam alinhados com o objetivo do organismo, com planejamento de metas e indicadores que sejam exequíveis e que acompanhem o planejamento do órgão, para que a execução do projeto seja sustentável e satisfatória para o mutuário.
Métodos de aquisições
Os métodos de aquisição do BIRD se dividem em duas grandes categorias: Bens, Obras e Serviços Técnicos e Consultoria. Os métodos de Seleção para as aquisições de Bens e Obras e Serviços Técnicos são: Solicitação de Oferta (SDO); Solicitação de Cotação (SDC) e Contratação Direta (CD). As Consultorias podem ser de empresa ou consultoria individual, pessoa física. Os métodos de contratação de consultoria de empresa são: Seleção Baseada em Qualidade e Custo (SBQC); Seleção com Orçamento Fixo (SOF); Seleção pelo Menor Custo (SMC); Seleção Baseada na Qualidade (SBQ); Seleção Baseada nas Qualificações do Consultor (SQC) e Contratação Direta. As aquisições com financiamento do BIRD são regidas por políticas próprias do Banco, ficando estabelecido qual será o regulamento no momento de assinatura do acordo de empréstimo. Cabe lembrar, que o artigo 1º, § 3º, inciso II, da Lei nº 14.133/21 prevê a possibilidade de aplicação de regras desse tipo de organismo.
Procedimento específicos de ambos
Ambos os Bancos enfatizam a importância da confidencialidade que deve ser respeitada em três pilares: todo o processo até a divulgação do resultado da avaliação; a proteção da comissão de licitação e avaliadores; e a proteção de informações confidenciais das propostas. Outra regra importante é permitir que proponentes não selecionados possam reclamar dentro de um período específico, antes da adjudicação do contrato.
Conclusão
Os financiamentos externos oferecidos pelo BID e pelo Bird representam uma fonte crucial de apoio para que os municípios possam realizar projetos de desenvolvimento sustentável. Ao superar os desafios relacionados à captação e gestão desses recursos, os municípios podem não apenas melhorar significativamente a infraestrutura e os serviços locais, mas também contribuir para um desenvolvimento mais justo e sustentável no longo prazo.
Assim, o engajamento com essas instituições internacionais e o aproveitamento efetivo dos financiamentos disponíveis emergem como estratégias fundamentais no fortalecimento da capacidade dos municípios de enfrentar os desafios contemporâneos e de promover o bem-estar de suas comunidades._
Robinho: não compete ao STJ determinar regime inicial de cumprimento da pena
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no uso de competência constitucional e regimental, analisou e, por maioria de votos, homologou o pedido de execução da sentença penal condenatória proferida pela Justiça Italiana contra o ex-jogador Robinho, preso nesta quinta-feira (21/3) pela Polícia Federal, em Santos.
A discussão central travada entre os ministros residiu na aplicação ou não da Lei de Migração aos fatos narrados na sentença condenatória do ex-jogador, uma vez que ocorreram em 2013 e a referida norma entrou em vigor em 2017.
Não há dúvida que o artigo 100, da Lei de Migração, autoriza a transferência da execução da pena, quando o nacional brasileiro for condenado no estrangeiro e preencha os pressupostos legais previstos no parágrafo único do referido dispositivo.
Mas a dúvida é se a lei nova mais gravosa poderia ser aplicada aos fatos ocorridos no passado. Na hipótese de se considerar a referida norma de natureza processual, poderia ser aplicada de imediato. Por outro lado, considerando-se a norma de natureza penal, não poderia ser aplicada aos fatos ocorridos antes da sua entrada em vigor.
A maioria dos ministros, de forma equivocada ao meu sentir, entenderam que a Lei de Migração é plena e imediatamente aplicável aos fatos tratados na ação penal promovida contra o ex-jogador Robinho, por entender que se tratar de norma processual, incidindo o princípio do tempus regit actum.
A norma tratada no referido artigo 100 da Lei de Migração, nem de longe pode ser considerada puramente processual.
Transferência de execução da pena
Pois bem.
Não há dúvida que a norma que trata da “Transferência de Execução da Pena” tem natureza penal e não processual, uma vez que estabelece a possibilidade do cumprimento da pena privativa de liberdade no Brasil, referente a título executivo proferido no estrangeiro.
Robinho
A norma que trata sobre cumprimento da pena é, eminentemente, uma norma de direito material e não procedimental, razão pela qual não pode retroagir para alcançar fatos do passado, conforme preconiza o artigo 5º, XL, da Constituição.
Antes da entrada em vigor da Lei de Migração, a única previsão no âmbito penal de cumprimento dos efeitos da condenação estrangeira contra brasileiro nato, consistia na possibilidade da execução dos efeitos secundários da pena, ou seja, da reparação dos danos, nos termos do artigo 9º, inciso I.
Portanto, a Lei de Migração, ao autorizar a execução da pena privativa de liberdade no Brasil, trouxe uma inovação mais gravosa, de natureza material, o que impede sua aplicação retroativa.
Com efeito, consoante destacado acima, a Lei de Migração entrou em vigor após a prática do crime pelo qual o jogador foi condenado em solo italiano. Considerando que a Lei trouxe uma possibilidade de brasileiro nato cumprir pena estrangeira no território nacional, não há como admitir a sua aplicação imediata para alcançar os fatos pretéritos.
Não há dúvida da gravidade dos fatos imputados ao ex-jogador, bem como que, aparentemente, foi possibilitado a ele o exercício pleno do direito de defesa. O que não se pode admitir é a supressão de um direito fundamental, mesmo de um condenado, ou por se tratar de um crime gravíssimo.
Cumprimento imediato da sentença
Outro equívoco foi a determinação do imediato cumprimento da sentença penal homologada pela Corte Especial do STJ.
A Constituição da República, em seu artigo 105, inciso I, alínea “i”, estabelece que o Superior Tribunal de Justiça tem competência para analisar e homologar sentença estrangeira para ser executada em território brasileiro. Todavia, nos termos do artigo 109, X, da Constituição, compete à Justiça Federal de primeira instância executar a sentença estrangeira homologada.
Dessa forma, não compete ao STJ determinar o regime inicial de cumprimento da pena, muito menos determinar que a Justiça Federal agisse no sentido de dar imediato cumprimento da decisão homologatória.
Não se pode admitir que a justiça brasileira seja pendular, que oscila de acordo com o cliente ou com a gravidade abstrata dos fatos. A irretroatividade da norma penal é uma garantia fundamental dos seres humanos preconizada na Constituição, portanto, cláusula pétrea que não está sujeita a ser suprimida, nem mesmo por uma emenda constitucional.
STF tem maioria por extinção de multa por presunção de falta de condições
O descumprimento da pena de multa impede a extinção da punibilidade do condenado, exceto se for comprovada a impossibilidade do pagamento — ainda que parcelado. O juiz da execução penal pode extinguir a punibilidade caso os elementos dos autos lhe permitam presumir que o condenado não tem condições de pagar a multa.
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Partido alega que tribunais condicionam extinção da punibilidade ao pagamento da multa aplicada junto à pena de prisão
Esta tese obteve maioria de votos no Plenário do Supremo Tribunal Federal nesta sexta-feira (22/3). A sessão virtual se encerrará oficialmente às 23h59.
O julgamento buscava definir se é possível extinguir a punibilidade de um condenado mesmo sem o pagamento da multa estipulada pela Justiça.
Contexto
A extinção da punibilidade marca o momento em que o Estado não pode mais continuar punindo a pessoa que cometeu um crime. Ela ocorre, entre outras hipóteses, com a declaração do juiz da execução penal de que a pena foi cumprida na íntegra.
Segundo o partido Solidariedade, é inconstitucional a interpretação, feita pelos tribunais brasileiros, que condiciona a extinção da punibilidade ao cumprimento da pena de multa quando tal sanção é acumulada com uma pena de prisão.
Na ação direta de inconstitucionalidade, a sigla pedia que o STF reconhecesse a possibilidade de extinção sem pagamento da multa.
A legenda argumentou que a interpretação dos tribunais viola os princípios da legalidade, da individualização da pena e da proibição da pena perpétua.
Para a agremiação, o condenado não pode cumprir pena por mais tempo do que determinado pela sentença e as penas de multa e de prisão são completamente distintas e independentes.
A ADI se refere ao artigo 51 do Código Penal, cuja redação atual foi dada pela lei “anticrime”. O dispositivo prevê que, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, a multa deve ser executada perante o juiz da execução penal e considerada dívida de valor.
Teses
No início do julgamento, na última sexta-feira (15/3), o ministro Flávio Dino, relator do caso, votou contra a extinção da punibilidade de quem não paga a multa, mas abriu a exceção a quem comprovar que não tem recursos para pagá-la.
Já na última segunda-feira (18/3), o ministro Cristiano Zanin apresentou seu voto, no qual concordou com Dino, mas acrescentou um ponto em sua tese. Na quarta-feira (20/3), o relator incorporou o acréscimo ao seu voto.
Eles entenderam que o juiz pode extinguir a punibilidade se for possível presumir que os recursos do condenado não são suficientes para pagar a multa.
Voto do relator
Dino explicou que a lei “anticrime” apenas esclareceu que o juiz da execução penal tem competência para executar a pena de multa, sem alterar seu “caráter de sanção criminal”.
Ele lembrou que o Supremo já analisou outra ADI relativa à redação anterior do artigo 51 — que já considerava a multa como dívida de valor, sem convertê-la em pena de detenção caso o condenado deixasse de pagá-la.
Em 2018, antes mesmo da lei “anticrime”, a Corte decidiu que a multa não perde seu caráter penal e pode ser cobrada pelo Ministério Público.
A jurisprudência do STF passou a confirmar essa premissa e a afastar a ideia de que não seria possível condicionar a extinção da punibilidade ao pagamento da multa, já que não há regra constitucional que viabilize tal tese.
Rosinei Coutinho/SCO/STFFlávio Dino
Ministro Flávio Dino, relator do caso no STF
Isso fez o Superior Tribunal de Justiça proibir, em 2020, a extinção da punibilidade sem o pagamento da pena de multa.
No ano seguinte, o STJ permitiu uma exceção à sua tese, para os casos em que for comprovada a impossibilidade de pagamento da multa.
Com base nisso e no “princípio da proporcionalidade da resposta penal”, Dino considerou necessário estabelecer que “a impossibilidade de pagamento da pena de multa deve ser sopesada pelo Juízo da execução”. Caso seja comprovada, o ministro entendeu que deve ser “afastado o óbice à extinção da pena privativa de liberdade”.
Além de Zanin (após o ajuste do voto inicial), o relator foi acompanhado, até o momento, por Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Luiz Edson Fachin.
Presunção de pobreza
Zanin explicou que a multa, “apesar do seu caráter penal”, tem um regime próprio, pois nunca pode ser convertida em pena de prisão.
Por outro lado, o magistrado ressaltou que a multa deve ser cobrada de quem tem condições de pagá-la. “Impedir a extinção da punibilidade e a reabilitação do apenado hipossuficiente perante a sociedade é contraproducente e incompatível com a dignidade humana”, pontuou.
Assim como Dino, Zanin se juntou à jurisprudência mais recente do STJ. “Tal solução, entendo, é mais consentânea com o objetivo da ressocialização e com a realidade da população carcerária brasileira e, ainda, com a dignidade da pessoa humana”, disse. “Também parece estar mais alinhada com a busca da eficiência do serviço judiciário”.
“O pagamento da pena de multa não pode ser exigida de pessoas em estado de pobreza, sob pena de criar uma injustificável desigualdade em relação aos apenados com condições de adimplemento”, completou.
Ele mencionou que os condenados geralmente são pessoas de baixa renda e citou dados: 44,61% dos homens encarcerados e 19,84% das mulheres na mesma situação trabalham na prisão sem receber qualquer remuneração. Entre os remunerados, 47,3% recebem até um salário mínimo.
Outro ponto destacado foi a baixa taxa de satisfação da pena de multa, devido ao perfil mais pobre da população carcerária do país.
O ministro recordou que uma resolução de 2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determina a extinção da punibilidade de pessoas em situação de rua imediatamente após o cumprimento da pena de prisão, mesmo sem o pagamento da multa.
Nesses casos, há uma presunção: “Não há como exigir prova a respeito da hipossuficiência, inclusive porque, na prática, o apenado muitas vezes sequer consegue ser localizado por seu defensor”.
Por isso, Zanin considerou importante autorizar que o juiz da execução presuma a insuficiência dos recursos do condenado, “diante das informações presentes nos autos que reflitam essa realidade”. Isso permitiria o arquivamento de execuções e evitaria “trabalho ineficiente do Poder Judiciário”.
Marginalização
Em série de reportagens recentes, a revista eletrônica Consultor Jurídico mostrou como as penas de multa contrastam com a miséria dos presos brasileiros e contribuem para a marginalização das pessoas que deixam a cadeia.
Segundo informações do Departamento Estadual de Execução Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), entre fevereiro de 2020 e abril de 2022, há a indicação de pagamento da pena de multa em apenas 10% das execuções.
Nos outros 90% — ou seja, 240,2 mil execuções —, o valor seguia pendente, impedindo a extinção da punibilidade dos presos que já cumpriram sua pena corporal.
Sem a extinção da punibilidade, o egresso do sistema prisional não consegue a reabilitação, que é o que assegura o sigilo dos registros sobre seu processo e sua condenação.
Gustavo Moreno/SCO/STF
Ministro Cristiano Zanin fez acréscimo no voto do relator, que o incorporou ao seu
Sem o sigilo, a pessoa não consegue a certidão negativa de antecedentes criminais, sem a qual a busca por emprego formal fica muito prejudicada.
Além disso, sem a extinção, também não começa o chamado período depurador — prazo de cinco anos em que o condenado será considerado reincidente. Após esse tempo, ele volta a ser primário, embora ostente maus antecedentes.
Também permanece a suspensão dos direitos políticos. Assim, o ex-preso não consegue regularizar o título de eleitor. Logo, não pode votar, matricular-se em instituição de ensino público ou exercer cargos públicos concursados.
A regra geral no Código Penal é de que a pena de multa deve ser de, no mínimo, dez dias-multa e, no máximo, 360 dias-multa. Novamente, a escolha é do magistrado.
Atualmente, com o salário mínimo em R$ 1.412, o dia-multa em seu valor mínimo é de R$ 47,06. Isso significa que a pena varia entre R$ 470,66 (dez dias-multa) e R$ 16,9 mil (360 dias-multa).
Há casos em que o rigor da lei é maior, com a imposição de um valor mínimo específico para a pena de multa. No crime de tráfico de drogas, por exemplo, ela é de 500 dias-multa. Para os condenados em 2024, isso equivale a R$ 23,5 mil.
Levantamento feito a partir das intimações de agravo em execução das execuções de pena de multa destinadas à Defensoria Pública paulista em novembro de 2023 mostra que apenas 11% dos assistidos tinham renda mensal de mais de R$ 2,5 mil quando foram presos. Os mesmos dados mostram que 36% deles recebiam menos de R$ 1,2 mil._
1ª Turma do STF nega vínculo de emprego entre corretor de imóveis e consultoria
O Supremo Tribunal Federal tem posição reiterada pela constitucionalidade de formas alternativas da relação de emprego, para além do regime da CLT. Por isso, os tribunais não podem considerar uma contratação ilícita com base apenas na modificação da estrutura tradicional de um contrato de emprego celetista.
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STF anulou decisão do TRT-1 que reconhecia vínculo entre as partes
Assim, a 1ª Turma do STF negou o vínculo de emprego ente um corretor de imóveis e uma consultoria imobiliária. O colegiado analisou uma reclamação constitucional da empresa.
Por maioria de votos, os ministros anularam uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região que havia reconhecido o vínculo de emprego entre as partes.
Prevaleceu o entendimento do ministro Alexandre de Moraes. Ele foi acompanhado por Luiz Fux e Cristiano Zanin. Eles concluíram que o TRT-1 desconsiderou a contratação do trabalhador como corretor autônomo, conforme a Lei 6.530/1978.
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Alexandre lembrou que o STF já reconheceu a possibilidade de organização da divisão do trabalho pela terceirização e também por outras formas.
Na mesma ocasião, a Corte decidiu que é constitucional a terceirização de toda e qualquer atividade, sem que isso configure relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada.
“A interpretação conjunta dos precedentes permite o reconhecimento da licitude de outras formas de relação de trabalho que não a relação de emprego regida pela CLT”, assinalou o ministro.
De acordo com o advogado Luciano Andrade Pinheiro, sócio do escritório Corrêa da Veiga Advogados, que atuou no caso, hoje “há uma estabilidade nas duas turmas” do STF quanto à possibilidade de discutir o desrespeito a esses precedentes por meio de reclamação constitucional._
Prisão após trânsito em julgado vale para homologação de sentença, diz defesa de Robinho
O trânsito em julgado da decisão que impõe a sanção penal é condição básica e inafastável para o recolhimento de qualquer cidadão ao cárcere, ainda que em decorrência de homologação de sentença estrangeira.
Robinho
Robinho pode ser preso por determinação do STJ após homologação da sentença italiana
Com esse entendimento, a defesa do ex-jogador Robinho ajuizou pedido de Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de evitar a prisão determinada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na quarta-feira (21/3).
Robinho pode ser preso porque o STJ homologou a sentença italiana na qual ele foi condenado a nove anos de prisão pelo estupro coletivo de uma mulher de origem albanesa, cometido em Milão, em 2013.
Com isso, a Corte Especial entendeu que já seria possível oficiar o juízo federal da subseção de Santos para dar cumprimento à ordem. O colegiado fixou regime inicial fechado.
A defesa, feita pelo advogado José Eduardo Rangel de Alckmin, defende na petição que a prisão antes do trânsito em julgado da homologação de sentença fere a Constituição Federal.
O precedente citado é aquele em que o Supremo Tribunal Federal definiu, em 2019, que a prisão do condenado só é possível quando ela se tornar definitiva.
Esse argumento foi levantado na análise da Corte Especial na quarta-feira. A maioria formada em torno do voto do relator, ministro Francisco Falcão, entendeu que não seria necessário, nem recomendável, aguardar o fim do trâmite da homologação.
“Quando se exige o trânsito em julgado da sentença para o cumprimento da pena, não estamos falando da sentença que homologa a decisão, mas, sim, da própria sentença estrangeira”, pontuou o ministro Luis Felipe Salomão.
A defesa de Robinho precisa aguardar a publicação do acórdão da homologação de sentença. Então poderá interpor embargos de declaração e até recurso extraordinário para o STF.
Rafael Luz/STJ
José Eduardo Rangel de Alckmin, advogado de Robinho, no julgamento no STJ
Ofensa à Constituição
Na petição do HC, a defesa de Robinho aponta que existe grande plausibilidade jurídica de que o Supremo Tribunal Federal possa rever a decisão homologatória, por ofender a Constituição Federal.
“À época dos fatos não havia no ordenamento jurídico pátrio previsão legal que autorizasse a transferência de execução de sentenças penais estrangeiras. Todavia, a nova lei que, segundo alguns, supostamente acabaria por permitir aludido cumprimento, resultando em uma intensificação do direito de punir pelo Estado, não poderia retroagir para prejudicar”, diz.
A nova lei citada é a Lei de Migração, que entrou em vigor em 2017 — o crime de Robinho foi praticado em 2013. O ponto foi afastado pela Corte Especial, que entendeu que a norma é de caráter processual e, portanto, aplicável a todos os casos.
Após o julgamento do STJ, José Eduardo Rangel de Alckmin indicou que levaria o caso ao STF em Habeas Corpus, mas pontuou que, se intimado, Robinho cumpriria a ordem de prisão.
O HC tem pedido liminar justamente porque o ex-jogador está na iminência de ser preso._
Justiça determina inspeção em sistema da Fundação Renova para obter informações
Dificuldades procedimentais e operacionais encontradas pelas vítimas do desastre de Mariana, causado pelo rompimento de barragem de dejetos de mineração em 2015, levaram a Justiça Federal de Minas Gerais a determinar uma inspeção no sistema criado para reparação de danos.
Reprodução/TV Globo
Vítimas do rompimento de barragem em Mariana (MG) estão com dificuldades de acessar sistema indenizatório
O sistema online chamado “Novel” foi criado por ordem judicial para ser administrado pela Fundação Renova, entidade criada pelas mineradoras responsáveis pelo desastre ambiental para colocar em prática ações reparadoras de longo prazo.
Nele, as pessoas atingidas pelo rompimento da Barragem do Fundão acessam uma plataforma virtual e apresentam documentação de forma simplificada. A entidade então avalia a validade dos documentos e pode deferir ou não o pagamento.
A inspeção determinada é uma consequência do relato de advogados de grupos de atingidos, sobre requerimentos pendentes no sistema. Por conta disso, o juízo da 4ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte pediu informações à Fundação Renova sobre pedidos paralisados há mais de 60 dias.
A entidade se limitou a dizer que havia 13.385 requerimentos em tramitação, sendo 4.016 que dependiam de alguma tratativa da Fundação Renova e outros 9.369 esperando atos dos advogados dos requerentes para terem seguimento.
A Fundação Renova foi novamente intimada e, só então, informou a existência de 239 requerimentos parados há mais de 90 dias — 35 aguardando regularização de documentação, 204 em análise de documentação em razão de indícios de irregularidade.
Inspeção necessária
O juiz substituto Vinicius Cobucci considerou que a ordem judicial foi descumprida com o intuito deliberado de ocultar informações sem qualquer justificativa plausível, em desrespeito ao artigo 77 do Código de Processo Civil.
Com isso, aplicou multa por ato atentatório à dignidade da justiça no valor de R$ 50 mil à Fundação Renova. Apontou que a entidade deve agir em favor da reparação e não adotar conduta em defesa da própria desídia.
“Apesar de a criação do Novel ter sido decorrente de uma decisão judicial, a sua administração é extrajudicial. Por outro lado, existem informações de interesse público que não são devidamente repassadas ao juízo. Há necessidade de providências para obtenção das informações”, disse.
O magistrado então determinou a inspeção judicial do sistema Novel, tendo em vista que as informações não são fácil e claramente fornecidas pela Fundação Renova.
Primeiro, a Justiça Federal mineira vai sediar audiências para que os advogados dos grupos de atingidos exponham suas dificuldades procedimentais e operacionais. A Fundação Renova poderá documentar as demandas para avaliar e apurar as condutas.
Já em 30 de abril, a entidade deverá levar em audiência computadores que permitam o acesso ao sistema, no nível mais alto de acesso, além de técnicos especializados, para que possam fornecer as informações solicitadas pelo magistrado._
Uso de câmeras policiais deveria levar ao cancelamento da Súmula 70 do TJ-RJ
A implementação de câmeras nas fardas e viaturas de policiais militares deveria levar ao cancelamento da Súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), pois as imagens devem prevalecer sobre os depoimentos de agentes de segurança. Assim, os testemunhos deles não devem bastar para fundamentar condenações, de acordo com os especialistas no tema ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
Polícia Militar do Rio está implementando câmeras em uniformes de agentes e viaturas
Aprovada pelo Órgão Especial do TJ-RJ em 2003, a Súmula 70 tem a seguinte redação: “O fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação”. A pedido da Defensoria Pública do Rio, a corte fluminense discute o cancelamento ou a revisão da norma.
Por ordem do Supremo Tribunal Federal (ADPF 635), a Polícia Militar do Rio começou, no início de janeiro, a implementar câmeras nas fardas e nas viaturas. As imagens podem ser acompanhadas em tempo real por outros policiais e ficam armazenadas por um ano. Não é possível desligar as câmeras, nem editar as imagens.
No primeiro mês com as câmeras nas fardas, as mortes por intervenção de policiais caíram 45% no estado do Rio, em comparação com janeiro de 2023, segundo dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública.
O uso dessas câmeras deveria levar ao cancelamento da Súmula 70, segundo Janaina Matida, professora de Direito Probatório da Universidad Alberto Hurtado (Chile) — que defende a revogação da norma mesmo se não houvesse a instalação dos equipamentos, já que não se pode presumir a verdade das declarações de ninguém.
“A crescente implantação das câmeras corporais é útil ao bom policial, que não tem nada a esconder e que entende a necessidade de que o seu relato seja confirmado por outras provas externas e independentes. Além disso, as câmeras corporais protegem os bons policiais de falsas acusações e, na hipótese de que sejam atacados (inclusive fisicamente), servem para reconstruir esses fatos. As câmeras corporais são um mecanismo de auditabilidade da atuação policial, e isso é fundamental para o fortalecimento da democracia brasileira.”
As decisões do STF na ADPF 635 e da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Favela Nova Brasília x Brasil determinam a ampliação e a sofisticação dos mecanismos de controle da atividade policial, segundo Salo de Carvalho, professor de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Devido a tais sentenças, foram editadas as Leis fluminenses 5.588/2009 e 9.298/2021, que estabeleceram a implantação de sistemas de vídeo e áudio nas viaturas e o monitoramento e registro das ações dos agentes de segurança pública por meio de câmeras corporais. Além disso, destaca o docente, o Superior Tribunal de Justiça vem condicionando a validade dos depoimentos policiais ao complemento de prova audiovisual. “Todas são medidas que demonstram a inadequação da Súmula 70”, diz Salo de Carvalho.
“Infelizmente, a utilização das câmeras corporais não vai levar necessariamente ao cancelamento da Súmula 70”, lamenta a advogada Cristiana Cordeiro, juíza criminal aposentada. Segundo ela, a norma é muito usada por integrantes do Ministério Público e magistrados. “E acredito que seja por comodidade, pois eles preferem acreditar fielmente na palavra dos policiais a buscar outras provas (caso do MP) ou absolver por falta de provas.”
Os policiais raramente narram as ocorrências de forma fiel aos fatos, ressalta Cristiana. E isso nem sempre ocorre por má-fé — os agentes promovem inúmeras prisões no dia a dia, e é difícil lembrar precisamente dos episódios quando são ouvidos nas audiências, muitos meses depois.
Mas é claro que também há os casos de policiais que “mentem deliberadamente, para forjar um flagrante ou ocultar seus próprios atos”, diz a ex-juíza. “Existindo somente a palavra dos policiais, sem outras provas, penso que a solução justa é a absolvição (in dubio pro reo)”.
Contradição com as imagens
Caso os depoimentos dos policiais estejam em contradição com as imagens captadas pelas câmeras em seus uniformes ou viaturas, as gravações é que devem ser consideradas pelos magistrados. Isso porque, em confronto de provas, geralmente a prova técnica apresenta uma maior qualidade de verdade fática para a decisão judicial, de acordo com Salo de Carvalho.
Em caso de contradição entre o testemunho de agentes de segurança e as filmagens, afirma Cristiana Cordeiro, os juízes têm duas opções: extrair as gravações e encaminhá-las ao MP, para apuração do crime de falso testemunho, ou determinar a perícia do vídeo, para que um especialista em imagens possa esclarecer as divergências.
Nenhuma declaração deveria, por si só, ter valor probatório. Assim, se os depoimentos policiais não coincidirem com as imagens, não devem ter credibilidade, segundo Janaina Matida.
“O magistrado deve se manter alerta a dois aspectos. Em primeiro lugar, aos erros honestos que qualquer pessoa pode cometer ao tentar se lembrar de um fato. Qualquer um pode errar, se confundir, esquecer, e policiais não estão livres disso. Em segundo lugar, a eventuais motivos escusos que possam ter animado o oferecimento de versões que não correspondem à verdade dos fatos, como por exemplo o interesse em legitimar atuações abusivas e violadoras dos direitos humanos”, analisa a professora.
Decisões do STJ
O STJ vem consolidando o entendimento de que condenações criminais não podem ser exclusivamente fundamentadas em depoimentos de policiais.
Por avaliar que houve violação do direito ao silêncio e uma série de injustiças decorrentes da origem social do acusado, a 6ª Turma da corte superior absolveu, em junho de 2023, um jovem que foi condenado por tráfico de drogas apenas com base no depoimento de policiais que fizeram a prisão em flagrante (Recurso Especial 2.037.491).
De acordo com o colegiado, o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) adotou raciocínio enviesado ao considerar como verdade incontestável a palavra dos policiais que fizeram a abordagem, adotando, assim, interpretação que considerou mentirosa a negativa do acusado em juízo. Essa postura teve seu ponto de partida no silêncio do acusado na fase investigativa.
Relator do caso, o ministro Rogerio Schietti Cruz destacou que o TJ-SP cometeu “injustiça epistêmica” ao atribuir excesso de credibilidade aos depoimentos dos policiais e ao desvalorizar a palavra do réu, um jovem negro e pobre. A injustiça epistêmica ocorre quando um ouvinte, por preconceito, atribui a um falante um nível de credibilidade que não corresponde às evidências de que ele esteja falando a verdade, conforme conceito formulado pela filósofa Miranda Fricker.
“O tribunal incorreu em injustiças epistêmicas de diversos tipos, seja por excesso de credibilidade conferido ao testemunho dos policiais, seja pela injustiça epistêmica cometida contra o réu, ao lhe conferir credibilidade justamente quando menos teve oportunidade de atuar como sujeito de direitos”, afirmou Schietti.
Em outro caso, a 5ª Turma do STJ anulou, em 2022, uma condenação do TJ-RJ baseada apenas em depoimentos de policiais e fundamentada na Súmula 70 (AREsp 1.936.393). Relator da matéria, o ministro Ribeiro Dantas propôs limitar a presunção de validade dessa prova: a palavra do agente público tem fé pública, mas sua validação como prova dependerá da gravação em áudio e vídeo do momento da abordagem para demonstrar qualquer dos elementos do crime.
Em voto-vista, o ministro Joel Ilan Paciornik divergiu. Para ele, não se pode supervalorizar, tampouco desvalorizar, o testemunho do policial. Em vez disso, essa prova deve ter o mesmo valor de qualquer outro testemunho levado aos autos. Ao juiz, caberá valorar o conteúdo junto com os demais elementos dos autos para aí, sim, determinar a importância da prova.
O julgamento na 5ª Turma, porém, terminou sem uma definição clara sobre qual das posições deveria prevalecer. Isso porque ambos os votos tiveram a mesma conclusão no caso concreto: entenderam que o réu por tráfico de drogas deveria ser absolvido. E os demais ministros prometeram reflexão sobre o tema.
Por considerar pouco críveis os relatos de policiais, a 6ª Turma do STJ trancou, em fevereiro, a ação penal contra um homem acusado de tráfico de drogas depois de ter sua residência invadida pela polícia (HC 861.086).
Os ministros entenderam que a experiência e o senso comum tornam difícil acreditar que uma pessoa atende ao chamado de policiais, autoriza a entrada deles em casa, confessa que faz parte de uma facção criminosa e indica em qual cômodo armazenou grande quantidade de drogas.
A 3ª Seção do tribunal, por sua vez, deve analisar neste ano o caso que discute a condenação de réu por furto baseada apenas em confissão extrajudicial informal, obtida pelos policiais no momento da prisão, e em reconhecimento fotográfico que não seguiu as exigências legais (AREsp 2.123.334). O STJ entende que o reconhecimento, nessas condições, não pode servir de base para uma condenação — a particularidade do caso é a confissão extrajudicial informal.
Parecer de professores
Permitir a condenação com base apenas em depoimentos de policiais, como faz a Súmula 70 do TJ-RJ, distorce o processo penal, legitima abusos das forças de segurança e amplia a seletividade do sistema criminal, contribuindo para o encarceramento de negros e pobres.
É o que afirmam Salo de Carvalho e Mariana de Assis Brasil e Weigert, professora de Criminologia do programa de pós-graduação da Universidade Estácio de Sá.
Em parecer encomendado pelo Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, eles opinam pelo cancelamento da norma ou, em caso de sua manutenção, que tenha redação modificada, no sentido de que “é desautorizada a condenação baseada exclusivamente em depoimentos de autoridades policiais e seus agentes”._
Ações de execução são o grande gargalo da Justiça paulista
*Reportagem publicada no Anuário da Justiça São Paulo 2024, lançado nesta segunda-feira (18/3). A versão digital é gratuita, acesse pelo site do Anuário da Justiça (clique aqui para ler). A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui).
Anuário da Justiça São Paulo foi lançado nesta semana
Há um consenso de que o maior gargalo da Justiça paulista está na primeira instância. De 2019 para 2022, o acervo de processos pendentes nas varas judiciais de São Paulo aumentou 8%, passando de 16,9 milhões para 18,3 milhões. Em 2023, o número de processos aguardando julgamento em primeiro grau superou os 21 milhões. Os dados são do DataJud/CNJ.
O triste recorde tem uma explicação estatística clara: nos últimos cinco anos, com exceção de 2019, o número de casos novos ingressando nas varas foi maior do que o número de julgados pelos juízes. Mas o maior obstáculo a impedir o equilíbrio entre casos novos e julgados está concentrado em uma única classe de processos: as ações de execução judiciais, extrajudiciais e principalmente de execuções fiscais.
Os números deixam clara a situação. Das 21,8 milhões de ações pendentes de julgamento nas varas anotadas em outubro de 2023, 12,8 milhões eram execuções fiscais. Execuções fiscais nada mais são do que ações de cobrança de dívidas de pessoas físicas ou jurídicas para o estado ou os municípios. Ou seja, o Judiciário é usado pelo Estado como cobrador de dívidas do próprio Estado.
A execução é o passo seguinte à sentença do juiz. Enquanto a sentença é apenas a declaração de quem a Justiça entendeu estar correto na disputa jurídica analisada, a execução é a responsável por fazer a sentença valer na prática. “Praticamente todos os processos terminam em execução”, lembra Francisco Gaiga, tributarista e sócio do escritório Gaiga Advocacia. “Ela pode ser tanto um processo autônomo que se origina de um título executivo, como a CDA (Certidão de Dívida Ativa), quanto todos os processos de cunho condenatório que terminam em uma execução judicial da sentença”, explica.
Especialistas ouvidos pelo Anuário da Justiça, contudo, entendem que o aumento do volume de execuções nos últimos anos vai além de uma característica natural do funcionamento do Poder Judiciário. No final de julho de 2023, a cobrança de IPTU, um imposto municipal, era responsável por 4,1 milhões de casos pendentes enquanto a de ISS, também municipal, contava com 1 milhão. A tributação do ICMS, este de competência estadual, respondia por mais 350 mil processos, enquanto a taxa de lixo a 270 mil. Outro assunto era a cobrança de IPVA, com 82 mil casos.
Em julho de 2023, as execuções levavam quatro anos e quatro meses em média até obter a primeira sentença. Já as execuções fiscais contavam com uma demora maior de cinco anos e oito meses. Conforme os especialistas, trata-se de um exemplo de como a judicialização poderia ser menor e de como existe uma demanda que o Judiciário não consegue absorver.
Tauan Galiano Freitas, tributarista e advogado da Associação Brasileira de Revendedores de Combustíveis Independentes e Livres, afirma que há diversas razões que explicam a quantidade crescente de execuções fiscais. “A despeito do esforço da Receita Federal para obter o cumprimento das obrigações tributárias, a insuficiência da esfera administrava para conseguir esse objetivo leva o Poder Público e empresas a procurarem a Justiça.”
Matéria tributária
Uma das justificativas para explosão de execuções fiscais é a alta complexidade da matéria tributária no país. “É óbvio que, diante de um sistema tão complexo, não nos resta outra alternativa a não ser ir para o Judiciário. E percebe-se que as execuções são propostas pelo ente público”, afirma Renata Elaine Ricetti Marques, presidente do Instituto Acadêmico de Direito Tributário e Empresarial.
A boa notícia é que esse problema pode estar com seus dias contados. No último dia 15 de dezembro, depois de 40 anos, foi aprovada pela Câmara dos Deputados a reforma tributária, que tem entre seus pressupostos a simplificação do sistema. O TJ-SP afirma estar preocupado com o volume de execuções fiscais e nota que há uma tendência de o volume de novos casos crescer ao final dos mandatos dos prefeitos, que optam por escolher a via judicial para cobrar dívidas tributárias. “É preciso incentivar os municípios a buscar outros meios de satisfação de crédito. Protestar, por exemplo”, sugere. A Corregedoria do TJ-SP tem dialogado com o Tribunal de Contas do Estado nesse sentido.
A desembargadora e ex-procuradora-geral do Estado, Maria Lia Pinto Porto, também avalia que devem ser buscadas alternativas à judicialização. “Não há limite de valor para ajuizamento da cobrança, praticamente tudo é ajuizado sem gestão de custo-benefício. O adequado é cobrar administrativamente a dívida de menor valor e só ajuizar o débito quando o custo da cobrança judicial for justificável”, sugere.
O protesto da dívida por meio de cartório é regulado pela Lei 9.492/1997 e foi validado pelo STF em 2016 por meio da ADI 5.135/DF. Outra alternativa à judicialização é o mecanismo da transação tributária prevista no artigo 156 do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66). A regulamentação mais recente desse instrumento ocorreu em 2020 com a Lei 13.988 que passou a permitir que a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional celebrassem acordos com os contribuintes.
Na Assembleia Legislativa de São Paulo, tramita o PL 1.245/23, com a criação de um parcelamento especial de valores inscritos na dívida ativa paulista. Em todo o estado, há um total de R$ 394 bilhões registrados como créditos a receber. A proposta traz a possibilidade da negociação do pagamento dos tributos em até 145 parcelas. E conta com o apoio da Procuradoria-Geral do Estado como forma de criar um ambiente jurídico favorável à conformidade fiscal dos contribuintes inscritos na dívida ativa. “Teremos no estado novos modelos de transação tributária com prazos de parcelamento mais dilatados, benefícios melhores do que os atuais e um novo modelo de cobrança da dívida ativa”, prevê a procuradora-geral do Estado, Inês Maria dos Santos Coimbra.
Investimento ou Custo
Luiz Alfredo Bianconi, tributarista e sócio do Bianconi Advocacia, é otimista. “Estamos começando a ver uma movimentação, embora incipiente, de programas para redução do contencioso, com transações, condições de pagamento e parcelamento melhores”, analisa. “Se o poder público investisse mais nas transações tributárias, com prazos de adesão e condições melhores de quitação de débitos dos contribuintes, reduziria o contencioso. Já os contribuintes deveriam encarar como investimento, e não como custo, os dispêndios necessários para estar em conformidade tributária, contratando profissionais especializados, para dar suporte às necessidades”, sugere.
Para Davi Pillon, tributarista e sócio da Pillon Sociedade de Advogados, a falta de planejamento tributário dos contribuintes também tem seu papel na crescente judicialização. “É importante lembrar que os grandes gargalos começam justamente no despreparo dos planejamentos fiscais, sejam da esfera cível ou empresarial. Esse despreparo resulta em falhas de planejamento e execução, o que tende, com o tempo, a atingir novos patamares de erros que resultam em processos desnecessários. O excesso de recursos previstos na legislação, conjugado com os prazos da administração pública em dobro, tanto para recorrer, como para contestar, refletem diretamente no maior volume de execuções.”
Execução Criminal
E se as execuções fiscais no acervo da Justiça paulista deixam em suspenso o futuro fiscal dos contribuintes, a situação na esfera criminal envolve a liberdade de pessoas e o cumprimento de penas. Em outubro de 2023, havia 59 mil penas privativas de liberdade à espera da execução. Já as penas não privativas estavam em 359 mil. Portanto, eram 418 mil execuções penais pendentes no total.
Em setembro de 2023, o Conselho Nacional de Justiça anunciou a libertação de 22 mil presos em todo país que estavam detidos de forma indevida. Análise do órgão por meio do Mutirão Processual Penal, ocorrido entre julho e agosto, encontrou situações ilegais como a prisão preventiva com duração maior do que um ano e a prisão de gestantes.
ANUÁRIO DA JUSTIÇA SÃO PAULO 2023 | 2024
13ª Edição
ISSN: 2179244-5
Número de páginas: 332
Versão impressa: R$ 50, pré-venda na Livraria ConJur
Versão digital: disponível gratuitamente, a partir de 18 de março de 2024, no app “Anuário da Justiça” ou pelo site anuario.conjur.com.br
Anunciaram nesta edição:
Abreu Sampaio Advocacia
Adilson Macabu e Nelson Pinto Advocacia
Advocacia Rubens Ferreira e Vladimir Oliveira da Silveira
Antonio de Pádua Soubhie Nogueira Advocacia
Apamagis – Associação Paulista de Magistrados
Areosa, Martins, Tavares Advogados
Arruma Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia
Basilio Advogados
Bialski Advogados Associados
Bottini & Tamasauskas Advogados
Caselli Guimarães Advogados
Cesa – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados
D’Urso & Borges Advogados Associados
Décio Freire Advogados
Dias de Souza Advogados
Fernando José da Costa Advogados
Fidalgo Advogados
Fontes Tarso Ribeiro Advogados Associados
Fux Advogados
Guimarães Bastos Advogados
Heleno Torres Advogados
Hesketh Advogados
JBS S.A.
Laspro Consultores
Leite, Tosto e Barros Advogados
Lemos Jorge Advogados Associados
Lollato, Lopes Rangel, Ribeiro Advogados
Machado Meyer Advogados
Marsaioli & Marsaioli Advogados Associados
Martins, Franco e Teixeira Sociedade de Advogados
Mesquita Ribeiro Advogados
Milaré Advogados
Moraes Pitombo Advogados
Multiplan
Oliveira Alves Advogados
Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados
PX Ativos Judiciais
Pardo Advogados & Associados
PMA – Penna Marinho Advogados
Regis de Oliveira, Corigliano e Beneti Advogados Associados
Condenação só com base na palavra de policiais legitima abusos no RJ
Permitir a condenação do réu com base apenas em depoimentos de policiais, como faz a Súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), distorce o processo penal, legitima abusos das forças de segurança e amplia a seletividade do sistema criminal, contribuindo para o encarceramento de negros e pobres.
Fernando Frazão/ Agência Brasil
Depoimentos de policiais do Rio têm bastado para levar a condenações
É o que afirmam Salo de Carvalho, professor de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e Mariana de Assis Brasil e Weigert, professora de Criminologia do programa de pós-graduação da Universidade Estácio de Sá.
Em parecer encomendado pelo Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, eles opinam pelo cancelamento da norma ou, em caso de sua manutenção, por uma mudança na redação, no sentido de que “é desautorizada a condenação baseada exclusivamente em depoimentos de autoridades policiais e seus agentes”.
Aprovada pelo Órgão Especial do TJ-RJ em 2003, a Súmula 70 tem a seguinte redação: “O fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação”.
Carvalho e Mariana apontam que o depoimento policial é “um dos pilares de sustentação das sentenças criminais condenatórias, especialmente nos delitos patrimoniais e nos ilícitos relacionados com o Direito Penal das drogas”.
Presunção de regularidade
A Súmula 70, destacam eles, baseia-se na presunção de regularidade da atividade policial e das suas manifestações nos procedimentos administrativos e judiciais apuratórios de crimes. “Em razão do cargo, os agentes do Estado estariam resguardados pela fé pública e os seus depoimentos somente poderiam ser refutados se apresentadas provas que evidenciassem má-fé.” Porém, na América Latina, a regra é a violação, por ação ou omissão, da legalidade por parte de agentes dos sistemas punitivos, ressaltam os professores.
“Em contextos de baixa densidade democrática, nos quais a atividade policial é marcada por situações não esporádicas de abuso de autoridade pelo uso desmedido da força (excesso de violência e letalidade) — como, infelizmente, é o caso do Rio de Janeiro —, entendemos ser impositivo e recomendável uma postura cética quanto à presunção de veracidade dos depoimentos policiais”, afirmam os docentes, citando que o Supremo Tribunal Federal ordenou na ADPF 635 que o governo do Rio elabore plano de redução da letalidade policial.
Eles mencionam como, em diversos casos, agentes de segurança produzem flagrantes para atingir metas de prisões e apreensões, para fazer retaliações ou proteger certas pessoas. Situações como essas, ponderam Carvalho e Mariana, “não podem ser simplesmente desconsideradas pelo Poder Judiciário quando, no processo penal, os depoimentos policiais são a única prova incriminadora”.
Ao mesmo tempo em que os depoimentos de policiais recebem credibilidade exagerada, os de acusados, especialmente negros e pobres, são desvalorizados, fazendo com que eles sofram “injustiça epistêmica”, avaliam os pareceristas. A injustiça epistêmica ocorre quando um ouvinte, por preconceito, atribui a um falante um nível de credibilidade que não corresponde às evidências de que ele esteja falando a verdade, conforme conceito formulado pela filósofa Miranda Fricker.
“Da forma como foi absorvida pela magistratura fluminense, a Súmula 70 institucionaliza um modelo inquisitorial de prova tarifada ao transformar o depoimento policial (prova testemunhal) em prova plena”, dizem os professores. Eles afirmam que tais testemunhos devem ser examinados com prudência, porque agentes buscam justificar sua atuação profissional.
Além disso, os dois apontam que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem se consolidando no sentido de exigir que a palavra do policial seja confirmada por provas independentes.
Perguntas e respostas
Assim, os professores forneceram as seguintes respostas às perguntas da Defensoria:
“a) Do ponto de vista empírico (criminológico), quais os efeitos concretos da aplicação da Súmula 70 no sistema de Justiça Criminal?
Resposta: A presunção de credibilidade dos depoimentos policiais, normatizada pela Súmula 70 do TJERJ, e a sua suficiência para formação do juízo condenatório geram consequências bastante nítidas no fluxo do processo penal (microanálise: endoprocessual): (primeira) desativa os filtros que garantiriam o controle da justa causa para a ação penal; (segunda) transforma a prova testemunhal no epicentro da cognição, em detrimento das provas técnicas e independentes; (terceira) incentiva a omissão do Ministério Público na produção de prova autônoma de qualidade; (quarta) reduz o standard de prova, justificando condenações com baixa qualidade de verdade fática; em consequência, ao elevar o nível de injustiça epistêmica, (quinta) distorce o devido processo penal ao converter a verdade policial em verdade judicial; e, de forma geral, (sexta) objetifica o sujeito em todas as fases da intervenção punitiva (policial e judicial).
Em paralelo, no que tange à atuação das agências do sistema penal (macroanálise: exoprocessual), a consolidação do preceito (primeiro) reforça a legitimidade de ações policiais ilícitas como as de fraude processual (p. ex., destruição ou criação de provas, falsas acusações, confissões sob coação física ou moral dentre outras); (segundo) incapacita os mecanismos de controle do excesso nas atividades de repressão e de investigação; (terceiro) consolida práticas discriminatórias e violentas em procedimentos cotidianos como os de abordagem, prisão em flagrante e busca domiciliar; e (quarto) amplia a seletividade do sistema penal, contribuindo decisivamente para o encarceramento em massa da juventude negra periférica.
b) Do ponto de vista normativo (Direito Penal e Direito Processual Penal), a Súmula 70 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro respeita os princípios constitucionais e a arquitetura legal do devido processo penal?
Resposta: A premissa normativa que deve orientar o tema é a de que a única presunção constitucionalmente válida é a de inocência, disposta no art. 5º, LVII, da Constituição. O estado de inocência fixa standards de prova elevados para garantir uma verdade fática de qualidade na afirmação da culpabilidade do réu. Diferente das demais áreas do Direito, o juízo condenatório criminal depende de uma precisão para além da dúvida razoável. Nesse sentido, a Súmula 70 do TJERJ (primeiro) viola o art. 5º, LVII, da Constituição, ao rebaixar o standard de prova exigido para condenação e não observar o requisito da suficiência (conjunto probatório robusto); (segundo) viola o art. 5º, LVII, da Constituição, ao permitir a antecipação do juízo de culpabilidade apresentado no relato policial, invertendo, pois, o ônus da prova; (terceiro) confunde a presunção de legalidade do ato no exercício da função com imunidade do agente público (policial); (quarto) eleva ao status de testemunha sujeito funcionalmente interessado na justificação do ato de atribuição de responsabilidade criminal ao acusado; (quinto) nega vigência ao art. 155 do Código de Processo Penal visto ser o depoimento judicial do policial apenas a reapresentação do relato da investigação; (sexto) desrespeita a decisão da Corte IDH no caso Favela Nova Brasília vs Brasil e a decisão do STF na ADPF 635, que determinam a ampliação e a sofisticação dos mecanismos de controle da atividade policial; e (sétimo) inefetiva as Leis 5.588/09 e 9.298/21, do Estado do Rio de Janeiro, que determinam a implantação de sistemas de vídeo e áudio nas viaturas e o monitoramento e registro das ações individuais dos seus agentes da segurança pública através de câmeras corporais.
c) Em caso de desrespeito às diretrizes constitucionais e legais, quais os critérios para revisão da Súmula se mantida sua vigência (não cancelamento)?
Resposta: Em razão de sua desconformidade constitucional, o indicado seria o TJERJ cancelar a Súmula 70. Em caso de manutenção da sua vigência, são relevantes as contribuições no sentido de exigir que os depoimentos policiais sejam corroborados com provas autônomas e independentes, como, p. ex., gravação audiovisual. Todavia, em razão da tipicidade sempre aberta das estruturas normativas, inclusive das Súmulas, e da tendência atual de a interpretação judicial ser de restrição (e não de ampliação, como determina a Constituição) de direitos e garantias, entendemos ser fundamental uma mudança substancial na formação da linguagem dos enunciados. Significa dizer que, desde uma perspectiva garantista, ao contrário de proposições que agreguem elementos para justificar o uso de provas que, por si só, seriam ilegítimas, é recomendada uma construção em sentido negativo, ou seja, que limite ou vede determinados elementos probatórios para condenação. Nessa perspectiva, entendemos que uma revisão da Súmula 70 deva seguir esse método constritivo, de forma a consolidar taxativamente o valor constitucional que se pretende preservar, como, p. ex., uma redação clara no sentido de que “é desautorizada a condenação baseada exclusivamente em depoimentos de autoridades policiais e seus agentes”.
Pedido de cancelamento
A Defensoria Pública do Rio pediu, em 2018, o cancelamento ou, subsidiariamente, a revisão da norma ao Centro de Estudos e Debates do TJ-RJ. O então defensor público-geral do Rio, André Luís Machado de Castro, citou a análise de 1.250 acórdãos publicados entre 2013 e 2016, feita pela Coordenação de Defesa Criminal do órgão. O estudo apontou que magistrados vinham interpretando a Súmula 70 no sentido de presumir a veracidade dos depoimentos de policiais.
O defensor público-geral destacou que a normativa não tinha sido seguida por outros Tribunais de Justiça. E ressaltou que a jurisprudência do STF e do STJ considera que os depoimentos de policiais têm o mesmo valor probatório dos de outras testemunhas.
Da forma como vem sendo aplicada, disse Castro, a Súmula 70 “representa a completa subversão do sistema acusatório” porque “desloca o ônus probatório para a defesa, eximindo a acusação de produzir a prova daquilo que verte na denúncia”.
Em parecer enviado em abril de 2023 ao Centro de Estudos e Debates do TJ-RJ, o juiz Marcos Augusto Ramos Peixoto opinou pelo cancelamento da Súmula 70. Subsidiariamente, sugeriu a seguinte redação, em substituição à atual: “Depoimentos de autoridades policiais e seus agentes autorizam a condenação desde que cotejados a outros meios de provas regularmente coligidos aos autos”.
A sugestão foi seguida na íntegra pelo desembargador Marcelo Castro Anátocles da Silva Ferreira, relator do caso. “A fundamentação de uma sentença condenatória unicamente com base no Enunciado 70 da Súmula deste Tribunal de Justiça viola as garantias processuais estabelecidas na Constituição Federal e apresenta-se como uma desigualdade entre as partes no processo penal, tendo em vista que, diante da supervalorização do depoimento policial, fica quase impossível contradizer o que foi alegado”, avaliou Ferreira.
O juiz Alberto Fraga também se manifestou pelo cancelamento do verbete, mas sugeriu outra redação em caso de sua manutenção: “Depoimentos de autoridades policiais e seus agentes autorizam a condenação desde que cotejados a outros meios de provas regularmente coligidos aos autos ou desde que demonstrada a impossibilidade de sua produção, ocasião em que se torna ainda mais necessária a detida análise dos depoimentos.”
Por outro lado, os juízes Alberto Salomão Júnior e Bruno Mazza opinaram pela manutenção da Súmula 70. Porém, eles destacaram que os depoimentos de policiais não são inquestionáveis e que é preciso garantir aos réus o contraditório e a ampla defesa.
O processo está com o desembargador Carlos Santos Oliveira. Não há previsão de retomada do julgamento._
A democracia inclusiva nas eleições municipais deste ano
Neste ano de 2024, teremos eleições municipais para definir as pessoas que representarão a população entre os anos de 2025 à 2029, por meio de mandatos do legislativo (vereadoras e vereadores) e do executivo municipal (prefeitas, prefeitos, vice-prefeitas e vice-prefeitos).
Neste processo, os partidos políticos têm um papel fundamental, visto que é condição de elegibilidade a filiação partidária.
Além disso, são as agremiações que conduzem as estratégias para eleger o maior número de pessoas de seus respectivos partidos, promovem as convenções para definição das candidatas e dos candidatos, decidem se haverá coligações nas disputas pelos cargos de chefe do poder executivo municipal, promovem formações políticas, bem como administram, estabelecem critérios e distribuem os recursos do fundo partidário e fundo especial de campanha eleitoral, dentre outras atividades.
Importante esclarecer que no Brasil, conforme o artigo 45 da Constituição e artigos 106 a 108 da Lei 4.737/65, Código Eleitoral, o voto é obrigatório, as eleições são periódicas, e adotamos duas formas de eleição, a majoritária para os cargos de chefe do executivo e senadores e a proporcional para os cargos de vereadores, deputados estaduais e deputados federais.
Com relação ao sistema proporcional, também é necessário esclarecer que adotamos o de lista aberta, o que significa que os votos são contabilizados em benefício do candidato, mas também para o seu partido, de forma que somente irão exercer o mandato aqueles candidatos cujo somatório de votos de todos os candidatos da sua respectiva legenda atinja o quociente eleitoral e quociente partidário.
Nesse cenário, há quem aposte em quem serão os possíveis vencedores, até porque os dados revelam que o perfil pouco muda a cada eleição: pois a maioria dos eleitos são pessoas do gênero masculino, casadas, brancas, de meia idade, com nível superior completo, empresários de famílias tradicionalmente das elites de poder social, econômico ou político. O padrão é esse, mas o retrato da população não é.
Vivemos numa democracia representativa, teoricamente, os representantes eleitos através do sistema proporcional representam o povo, o que deveria abrir espaço para diversos protagonistas considerando aspectos culturais, étnicos, econômicos, políticos e histórico-sociais.
O povo brasileiro é plural e é rico em sua diversidade, somos muitos e múltiplos, mas grande parte desse povo, por falta de incentivos, é quase invisível na época de campanha eleitoral. E, a cada resultado das eleições, podemos observar que essa diversidade da população brasileira continua sub-representada nos espaços de poder e liderança, afetando diretamente nas políticas públicas que poderão ou não ser implementadas.
Através do relatório da ONG #ElasNoPoder de 2020 [1], se pode ter um retrato do tamanho das desigualdades de gênero no acesso ao poder. Logo de início, tal relatório traz os dados da União Interparlamentar onde mostram que apenas 24% de todos os parlamentares mundiais são mulheres.
No Brasil, as mulheres somavam à época do relatório 52,8% da população brasileira, mas na política nacional, representavam apenas 16% dos políticos eleitos. Em 2022, segundo a União Interparlamentar [2], esse número pouco se alterou, sendo que apenas 17,54% dos parlamentares são mulheres.
Outro marcador que chama a atenção é a idade. Apenas 36,84% dos parlamentares possuem menos de 34 anos. Se entende no entanto, que a realidade é ainda pior quando se apura um olhar de maneira transversal, seja através do gênero, classe, deficiência, e demais marcadores sociais.
A boa notícia é que conforme a própria União Interparlamentar, também se verifica um crescimento, embora ainda muito tímido, do crescimento da diversidade nos parlamentos pelo mundo, incluindo no Brasil [3]:
“As conclusões do relatório anual da UIP baseiam-se nos 47 países que realizaram eleições em 2022. Nessas eleições, as mulheres ocuparam em média 25,8% dos assentos eleitos ou nomeados. Isto representa um aumento de 2,3 pontos percentuais em comparação com renovações anteriores nestas câmaras.
O Brasil viu um recorde de 4.829 mulheres que se identificam como negras concorrendo às eleições (de 26.778 candidatas); nos EUA, um número recorde de mulheres negras (263) concorreu às eleições intercalares; A representação LGBTQI+ na Colômbia triplicou de dois para seis membros do Congresso; e em França, 32 candidatos provenientes de minorias foram eleitos para a nova Assembleia Nacional, um recorde histórico de 5,8% do total.”
No entanto, ainda é notório que essa sub-representação atinge sobretudo pessoas do gênero feminino, pessoas LGBTQIA+, pessoas com deficiência, pessoas indígenas e pessoas negras, porém não temos dados suficientes que demonstrem quantitativa e qualitativamente quem são as pessoas que estão filiadas e que registram as suas candidaturas.
Atualmente, a Justiça Eleitoral já incluiu nos seus cadastros informações inerentes à condição de pessoas com deficiência, identidade de gênero e raça, porém não temos informações específicas sobre orientação sexual e expressão de gênero, o que afeta diretamente a população LGBTQIA+.
Diante disso, acredita-se que o fornecimento de informações específicas sobre expressão de gênero, orientação sexual e identidade de gênero nos cadastros de filiação e registro de candidaturas contribua para que a disputa eleitoral se torne cada vez mais inclusiva, como também permite que pessoas LGBTQIA+ sejam reconhecidas e incluídas no cenário político-partidário e político-eleitoral.
Além disso, a categorização humana com o termo “raça” é entendida por muitos estudiosos como pejorativa, tendo em vista que a raça humana é única. Neste sentido, para que as pessoas declarem a cor da sua pele e o pertencimento de nações originárias, o termo mais apropriado e inclusivo para os cadastros de alistamento eleitoral, filiação partidária e registro de candidatura seria o termo — etnia.
Em maio do ano passado (2023), em reunião realizada pelo então presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o ministro Alexandre de Moraes, foi discutida a necessidade de inclusão no cadastro eleitoral dos candidatos, a opção de gênero e orientação sexual, para servir inclusive como mapeamento, com o intuito de incentivar as candidaturas desse grupo.
Neste sentido, foi apresentada a sugestão de alteração do requerimento de registro de candidatura pela advogada Sabrina Veras, durante as audiências públicas no TSE sobre as resoluções para as eleições de 2024.
Por conseguinte, a Resolução n° 23.729/24 alterou o artigo 24 especificando e estabelecendo que os candidatos poderão informar a sua orientação sexual, identidade de gênero, etnia indígena ou pertencimento à comunidade quilombola, se a pessoa tem necessidade especial ou deficiência. Além disso, essas informações serão utilizadas para atualização de seus dados no Cadastro Eleitoral.
Outra medida que também pode contribuir para uma maior inclusão nos partidos políticos e no processo eleitoral seria a criação de uma Secretaria partidária, nos mesmos moldes da Secretaria da Mulher, que seria chamada de Secretaria de Inclusão e Diversidade, no âmbito partidário para colaborar no recrutamento, coordenar capacitação e formação política, fiscalização e avaliação das candidaturas de pessoas LGBTQIA+, pessoas indígenas, pessoas negras e pessoas com deficiência, a fim de que tenham acesso aos fundos partidário e especial de financiamento de campanha (FEFC).
As sugestões têm o objetivo de fortalecer as políticas afirmativas eleitorais ao enfrentar a problemática da sub-representação de populações vulnerabilizadas em seus direitos. As pessoas LGBTQIA+, pessoas indígenas e pessoas com deficiência ainda são massivamente marginalizadas e invisibilizadas no âmbito partidário, dificultando as suas participações nas reuniões partidárias que buscam definir estratégias, formações políticas e critérios para distribuição dos recursos.
Essas políticas afirmativas são necessárias para diminuir desigualdades e equiparar as condições eleitorais, bem como propiciar a emancipação política, a qual é renegada, muitas vezes de maneira capacitista, lgbtfóbica, racista, misógina. Por conseguinte, para que essas pessoas sejam eleitas, é necessário um trabalho de todos, mas a justiça eleitoral e os partidos políticos têm um papel fundamental na promoção de uma democracia inclusiva.
A própria União Interparlamentar [4], atesta que as quotas legislativas estão sendo
“novamente um fator decisivo nos aumentos observados na representação das mulheres. A quotas legislativas consagradas na constituição e/ou nas leis eleitorais exigem que um número mínimo de candidatos sejam mulheres (ou do sexo sub-representado). As câmaras com cotas legisladas ou combinadas com cotas partidárias voluntárias produziram uma proporção significativamente maior de mulheres do que aquelas sem cotas nas eleições de 2022 (30,9% versus 21,2%).”
Deste modo, a ampliação de quotas poderia diminuir as barreiras e acelerar o fim das desigualdades de representatividade nos espaços de poder.
O compromisso de romper com as desigualdades deve ser um compromisso social, um compromisso de todos, população, judiciário, partidos políticos, candidatos, e já detentores de mandato político. Fortalecer a diversidade e inclusão é fazer com que esses grupos sejam parte ativa da própria mudança, através do acesso aos espaços de poder e decisórios e o façam isso utilizando a sua própria voz._
Com liberdade de imprensa, nenhum preciosismo é exagero
No Brasil, não se pode jogar à sorte a defesa da liberdade de imprensa. O STF tem atuado firmemente nos últimos anos para garantir uma imprensa livre, mas, ao redigir a Tese de Repercussão Geral do Tema 995, parece-nos que alguns detalhes permaneceram à sombra.
No mundo jurídico, fixar uma tese desse tipo significa firmar um entendimento que será aplicado em todos os casos e tribunais do país. A intenção do Supremo foi a melhor possível, mas o tribunal deixou escapar de maneira inadvertida uma percepção mais profunda.
Por essa razão, a Abraji fez um pedido de ingresso no processo do Supremo Tribunal Federal pedindo esclarecimentos e sugerindo uma nova redação por meio do que se chama de “amicus curiae”. Esse instrumento permite a participação da sociedade civil em discussões de grande repercussão, a fim de auxiliar os Tribunais com contribuições relevantes.
Em circunstâncias normais, o ingresso se daria antes do julgamento do caso. Mas, dado o impacto prático capaz de afetar a formação de opinião pública livre e consciente, a Abraji julgou se tratar de situação excepcional que demanda aperfeiçoamento por parte do STF mesmo agora, por meio de recurso.
A tese determina a responsabilização civil dos jornais ao publicar entrevistas em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro. Isso se dá quando há “indícios concretos da falsidade da imputação” e a inobservância do “dever de cuidado” na averiguação.
Sem precedentes
Não há precedentes consolidados para interpretar essas expressões. O que caracterizaria o “dever de cuidado” e os “indícios concretos da falsidade da imputação”?
Reprodução/Free Speech Fear Free
Não se sabe até que ponto o jornalismo teria a obrigação de averiguação ou quais condutas os jornais deveriam adotar. Seria suficiente dar espaço ao acusado para se manifestar? Fazer uma ressalva? Seria preciso que o jornal tivesse a efetiva intenção de publicar notícia falsa?
Deixar a resposta às instâncias inferiores da Justiça daria a inúmeros magistrados um poder de interpretação elástico para o sentido amplo das expressões contidas na Tese de Repercussão Geral do Tema 995/STF.
Essa possibilidade de Instâncias inferiores decidirem de maneira diversa pode ter um efeito operacional nefando para o STF. Como se trata de uma tese de repercussão geral, quem se sentir desatendido recorrerá diretamente para o Supremo, inundando o tribunal com ações dessa natureza.
A Abraji propõe em seu pedido ao STF que a responsabilização civil deva se dar só em casos nos quais há ciência da falsidade da imputação ou quando se trata de fato notório, amplamente divulgado e derivado de decisão judicial irrecorrível.
Seria preciso, ainda, que o veículo não oferecesse ao acusado o direito de dar a sua versão do fato ou que o texto jornalístico não fizesse ressalva. Afinal, mesmo a notícia de uma fala em que se imputa crime que não ocorreu é notícia relevante.
Atividade de risco
O STF ainda deixou de considerar as entrevistas ao vivo. Nestes casos, sequer seria possível deixar de difundir as afirmações ou realizar apurações a serem veiculadas de imediato. Para evitar que as entrevistas ao vivo se tornassem atividades de risco, a Abraji sugere que elas sejam excetuadas, ainda que gravadas para visualização posterior.
Não se pode esquecer que as entrevistas são importantes instrumentos para suscitar o debate público. Em 1992, a revista Veja publicou uma entrevista com Pedro Collor com revelações que foram em parte responsáveis pelo impeachment de Fernando Collor de Mello.
A revista à época não teria condições de averiguar a veracidade dos fatos. Em 2005, a Folha de S.Paulo publicou entrevista na qual Roberto Jefferson fez acusações que levariam à descoberta do escândalo do mensalão. O julgamento condenou 25 pessoas à prisão e Jefferson, à época, não ofereceu provas além de suas afirmações na entrevista.
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Advogado Igor Tamasauskas
Indaga-se, assim, até que ponto vale impor às empresas jornalísticas de maneira conclusiva “verificar a veracidade dos fatos”. Certamente os veículos jornalísticos têm a obrigação de buscar obsessivamente a objetividade e a verdade dos fatos. Mas o papel não de chancelar o que é verdade ou não é da polícia. Jornais não podem concluir pelo cometimento ou não de crimes. Essa atribuição é do Poder Judiciário.
A formulação da Tese de Repercussão Geral do Tema 995/STF tal como está deve resultar num aumento das ações pedindo a responsabilização dos veículos, mas nem sempre com o intuito de buscar justiça. Muitas ações terão um objetivo inibidor e intimidador, transformando o Judiciário em arena para fins diversos, como o de silenciar pronunciamentos.
Os jornais, especialmente os de menor porte, não arriscariam condenações. É daí o risco da autocensura: a conjuntura levaria a imprensa a deixar de publicar conteúdos relevantes, não tendo recursos para arcar com numerosas defesas processuais ou condenações.
Entendemos que esses detalhes devem ser considerados, reconhecendo a nobre atuação do STF como um dos guardiões da liberdade de expressão e de imprensa.
Ao defender a liberdade de imprensa, nenhum preciosismo é exagero. Quando o debate público livre e de qualidade é manietado de alguma forma, quem perde é toda a sociedade._
Fim do limite para contribuições ao Sistema S tem impacto maior em grandes empregadores
O fim do teto de 20 salários mínimos para a base de cálculo das contribuições parafiscais voltadas ao custeio do Sistema S (Sesi, Senai, Sesc e Senac) é uma derrota para o contribuinte brasileiro, especialmente as empresas com grandes folhas de pagamento.
Divulgação/Ford
Quanto maior a folha salarial, maior será o desconto das contribuições parafiscais
Essas contribuições são pagas por força de lei, com alíquota definida de acordo com o ramo de atividade da contribuinte. Em regra, não se limitam às quatro entidades do chamado Sistema S.
Algumas contribuições são corporativas, pois são de interesse de categorias profissionais ou econômicas — Sesc, Senac, Sesi, Senai, Senar, Sest e Senat, por exemplo.
Outras, como as destinadas ao Sebrae, a Apex-Brasil e a ABDI, têm natureza jurídica de contribuição de intervenção no domínio econômico (Cide) e permitem o incentivo de determinado grupo de empresas em certas atividades econômicas.
O limite para essas contribuições é uma decorrência da forma como a Lei 6.950/1981 foi editada.
O artigo 4º indicou que a base de cálculo para a contribuição previdenciária — que nada tem a ver com as contribuições a entidades terceiras — teria como limite 20 vezes o valor do salário mínimo.
O parágrafo único, na sequência, estendeu esse teto para as contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros.
Mais tarde, o Decreto-Lei 2.318/1986, ao tratar especificamente das contribuições previdenciárias, revogou o teto de 20 salários mímimos para a base de cálculo.
Tamanho do impacto
Até a última quarta-feira (15/3), o STJ vinha entendendo que, apesar disso, o limite para as contribuições parafiscais seguia vigente. Por unanimidade de votos, a posição foi alterada.
A advogada Cinthia Benvenuto, sócia da Innocenti Advogados, ajudou a mensurar o impacto. Cada empresa calcula sua contribuição parafiscal de acordo com a alíquota definida por lei para o seu ramo de atividade. A média entre essas alíquotas é de 5,8%.
Tomando por base esse valor, uma empresa no início de 2024 pagaria sua contribuição tendo como base de cálculo 20 vezes o valor de R$ 1.412, que é o salário mínimo atualizado.
Ela pagaria, portanto, 5,8% de R$ 28.240. A contribuição total da empresa seria de R$ 1.637,92.
A partir de agora, essa mesma empresa pagará 5,8% sobre o valor de toda sua folha de pagamento. Quanto mais empregados ela tiver, maior será a contribuição, sem qualquer limite.
Se essa empresa tiver folha de pagamento de R$ 500 mil, a contribuição será 5,8% disso: R$ 29 mil. Nesse caso hipotético, o salto de contribuição é de mais de 17 vezes.
Até onde vai a tese?
A tese aprovada pela 1ª Seção do STJ faz referência direta às contribuições parafiscais devidas ao Sesi, Senai, Sesc e Senac. Durante o julgamento, o ministro Mauro Campbell chegou a propor uma extensão para as demais contribuições parafiscais.
Para Cinthia Benvenuto, não houve necessidade de entrar no mérito em relação a outras contribuições, já que a tese e a lógica desenvolvida no voto indicam que a posição é aplicada a todas elas.
“A ideia geral ficou bem colocada, que era de entender que o limite de 20 salários mínimos foi revogado. A revogação, então, pode ser estendida para todos os terceiros, não só para os casos envolvendo as integrantes do Sistema S”, explica.
Graziele Pereira, sócia do Greco, Canedo e Costa Advogados, cita um importante indício disso: a decisão mais recente favorável aos contribuintes no STJ trava de contribuições ao Salário-Educação, Divisão de Portos e Canais (DPC), Fundo Aeroviário (FAer) e Incra.
Ela foi tomada no REsp 1.570.980, julgado pela 1ª Turma do STJ em 2020. Ainda assim, ela adianta que o tema deve gerar mais discussões, algo que a proposta do ministro Mauro Campbell inicialmente buscou evitar.
“Não houve pronunciamento quanto às outras contribuições devidas a terceiros, o que deve motivar a apresentação de embargos de declaração”, afirma.
Mudança de jurisprudência
A mudança da jurisprudência e o alto impacto para os contribuintes representou uma forte quebra de expectativa, o que gerou críticas.
Rejiane Prado, do Barbosa Prado Advogados, aponta que o Judiciário vem abandonando uma função quase educacional de demonstrar que normas fundamentais não poderiam ser ignoradas com o simples propósito de arrecadação.
“O que vemos hoje é um Tribunal que, por alegações de danos irremediáveis aos cofres públicos, altera jurisprudência pacífica, contraria regras básicas de formação dos tributos e ignora previsões expressas em lei com o fim de ratificar cobrança ilegal e indevida”, diz._
Juiz rejeita denúncia de sonegação fiscal contra empresário por inépcia
Por entender que houve inépcia, o juiz Richard Rodrigues Ambrosio, da 5ª Vara Federal de Londrina, decidiu rejeitar a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra um empresário do ramo de distribuição de alimentos do crime de sonegação fiscal.
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MP se confunde em denúncia de sonegação fiscal contra empresário
Segundo o MPF, o empresário teria transmitido à Receita Federal do Brasil a Declaração de Compensação com informação falsa, na tentativa de burlar o sistema e quitar, por compensação, débitos tributários com créditos inexistentes.
Por conta disso, a Receita Federal lavrou o Auto de Infração referente à multa regulamentar com valor de R$ 1,8 milhão.
Em resposta à denúncia, a defesa do empresário apontou que o Ministério Público Federal confundiu o auto de infração apontado na denúncia com outro procedimento fiscal que não se encontra inscrito em dívida ativa.
Ao analisar o caso, o juiz acatou os argumentos da defesa. “A denúncia, no caso, com o máximo respeito, aparentemente confunde os PAF’s e seus respectivos créditos, trazendo ao Juízo justamente o crédito que não foi objeto de constituição definitiva — o que faz do fato atípico — motivo pelo qual inepta a denúncia”, resumiu.
O empresário foi representado pelo advogado Átila Machado, do escritório Machado & Sartori de Castro Advogados._
Gordofobia: prática discriminatória no meio ambiente de trabalho
A data de 4 de março é marcada por ser o “Dia Mundial da Obesidade”, de sorte que tal referência tem por finalidade aumentar a conscientização da população sobre essa doença crônica que afeta pessoas de todas as idades. Nesse sentido, o Brasil tem implementado algumas medidas visando reduzi-la entre os jovens, assim como para deter o seu crescimento entre adultos [1].
Dados estatísticos
De acordo com a projeção do Atlas Mundial da Obesidade 2024, lançado pela Federação Mundial da Obesidade, o Brasil pode ter até 50% das crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos com obesidade ou sobrepeso em 2035. Ainda, segundo tais informações, quase 3,3 bilhões de adultos serão afetados pela obesidade até esta data [2].
Dito isso, e não obstante os cuidados necessários e a preocupação em âmbito mundial com esse cenário de saúde, nos últimos tempos tem se observada uma prática discriminatória no ambiente laboral denominada de “gordofobia”.
Muitas vezes, por falta de orientação adequada e padrões culturais enraizados na sociedade brasileira, essa conduta aparece quase que frequentemente no ambiente de trabalho por meio de “brincadeiras”.
Segundo um levantamento feito pela Data Lawyer, revelou-se que o número de casos sobre denúncias de “gordofobia” aumentou em 314% entre os anos de 2019 e 2022 [3]. Aliás, no período da análise, entre 2014 a fevereiro de 2023, foram identificados 721 processos judiciais trabalhistas com a alegação de discriminação contra pessoas reputadas como obesas.
De outro norte, em outro estudo feito pela lawtech Deep Legal, apontou-se que dos processos julgados em 1º grau, 37% foram considerados parcialmente procedentes; 5% procedentes; 14% improcedentes; 14% tiveram acordos entre as partes; 3% das ações foram extintas; e 27% ainda não receberam sentenças [4].
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A pesquisa concluiu também que os Estados da Federação com os maiores números de processos são os seguintes: São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Por certo, em razão das mudanças e avanços frequentes envolvendo o meio ambiente do trabalho, o tema foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista aqui na ConJur [5], razão pela qual agradecemos o contato.
Lição de especialista
Mas, afinal, o que seria a discriminação por “gordofobia” no ambiente de trabalho e qual o entendimento jurisprudencial sobre o assunto?
A respeito da prática discriminatória, oportunos são os ensinamentos da Professora Cristina Paranhos Olmos [6]:
“Além da discriminação pelas razões já apontadas, mais comuns no contrato de emprego, há outros tipos de discriminação praticada no âmbito do pacto laboral.
É bastante comum que o empregado seja discriminado em razão de sua forma física, especialmente os que fogem do padrão estipulado de beleza, como os gordos, os muito magros, os mais altos, os muito baixos, os de cabelos com cortes extravagantes, os de cabelos pintados com cores incomuns (roxo, rosa, amarelo, verde, azul), entre outras condições físicas.
(…). Em suma, qualquer que seja o motivo da discriminação praticada pelo empregador, se não guarda relação justificável com a atividade laboral desenvolvida no contrato de emprego, é discriminação ilícita, que macula as relações sociais e, por isso, deve ser coibida.”
Legislação no Brasil e no mundo
Do ponto de vista normativo no Brasil, a Constituição Federal, em seu artigo 3º, inciso IV, estabelece dentre os objetivos fundamentais a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou quaisquer outras formas de discriminação. [7]
Já do ponto de vista internacional, a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem regulamentação específica em torno da Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação [8].
Posicionamento jurisprudencial
Sob esta perspectiva, recentemente, a Justiça do Trabalho condenou uma empresa ao pagamento de indenização por danos morais em razão do trabalhador ter sido alvo de gordofobia no ambiente de trabalho, haja vista ter sido submetido a situação humilhante e vexatória [9].
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Segundo os relatos, a empresa não disponibilizava uniforme em numeração adequada ao trabalhador, o que propiciava comentários do gerente e “brincadeiras” na frente dos colegas de trabalho, causando constrangimento.
Ao decidir o caso, a magistrada ponderou que “a aschimofobia é uma forma de discriminação estética, que deve ser repelida pela sociedade, da qual a gordofobia constitui uma das espécies”.
Noutro giro, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo da 2ª Região manteve decisão que condenou certa empresa ao pagamento de indenização no valor de 30 mil reais, por danos morais, para uma ex-empregada que foi vítima de gordofobia [10].
Segundo o relato da trabalhadora, havia críticas do gerente da empresa em relação a sua aparência e que seria inadequada para a atividade por ser “velha, gorda e feia”. No caso em particular, a trabalhadora comprovou que os fatos relatados inclusive aconteciam na frente de outros empregados.
À vista disso, o desembargador relator entendeu que ficou comprovada a prática de “tratamento ofensivo, constrangedor, vexatório e humilhante”.[11], destacando ainda, a gravidade da conduta.
Já o Tribunal Superior do Trabalho igualmente foi provocado a emitir juízo de valor sobre o assunto, de modo que, no caso julgado, não só houve a confirmação da condenação de indenização por danos morais para uma trabalhadora que foi vítima de “gordofobia”, como também a Corte Superior majorou o valor da indenização [12]. Em seu voto, a Ministra Relatora destacou:
“A empresa não zelou pelo ambiente de trabalho de maneira mínima, com o fim de impedir que sua preposta tratasse a reclamante de maneira reiteradamente abusiva, gerando, nas palavras da própria Corte Regional, indescritível constrangimento, vergonha e humilhação.
(…). A reclamante era constantemente chamada de “gorda”, “burra”, “incompetente” e “irresponsável”, de maneira agressiva, aos gritos, na frente dos demais funcionários. Em tese seria possível enquadrar a conduta da preposta até mesmo na hipótese de discriminação (tratamento abusivo em razão de condição pessoal da reclamante — gordofobia). Dada a gravidade dos fatos, a reiteração ostensiva durante todo o contrato de trabalho, e o grau de culpa gravíssimo da empresa, deve ser majorado o valor arbitrado a título de indenização por danos morais.”
Portanto, verifica-se que a prática discriminatória, para além de ser inadmissível em tempos atuais de boas práticas empresariais (ESG), pode trazer condutas severas àqueles que a praticarem, de modo que se deve combater no ambiente laboral todo e qualquer tipo de preconceito.
Medidas de combate
É preciso que sejam adotadas políticas e estratégias para a erradicação de posturas preconceituosas no ambiente de trabalho, que deve ser sobretudo inclusivo e respeitoso. Aliás, não é demais relembrar que o preconceito não só traz danos ao convívio social das pessoas, como também afeta a saúde mental dos trabalhadores, e, por conseguinte, desencadeiam outros sintomas, tais como a ansiedade e depressão, por exemplo.
Em arremate, é fundamental que sejam promovidas e incentivadas atividades de educação e de conscientização nas companhias, assim como a adoção de políticas internas empresariais visando sempre coibir os atos preconceituosos, acabando-se, ao final, com esse estigma cultural, até porque o empregador é responsável por atos praticados por seus empregados e prepostos perante terceiros, de forma que, identificada a prática discriminatória, poderá a empresa ser responsabilizada [13]._